Língua alemã falada nas montanhas vira tema de pesquisa nacional

Foto: Julio Huber

A preservação e o incentivo à prática do idioma hunsrückisch, presente no dia a dia de muitas famílias de descendência alemã da região de montanhas do Espírito Santo, poderá ganhar um reforço após a conclusão de estudos que estão sendo feitos por especialistas do Espírito Santo e de entidades nacionais.

No último mês de agosto, os municípios de Marechal Floriano, Domingos Martins e Santa Leopoldina receberam a visita de um grupo de pesquisadores que conheceram famílias descendentes de alemães e que ainda falam a língua. Eles se surpreenderam com a preservação da língua e com o número de pessoas que ainda preservam os costumes dos antepassados.

O projeto, que é patrocinado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), é promovido por uma parceria entre o Instituto de Investigação e Desenvolvimento em Política Linguística (IPOL), e a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), por meio do Projeto Atlas Linguístico-Contatual das Minorias Alemãs na Bacia do Prata – ALMA-H. A pesquisa no Espírito Santo teve a duração de uma semana e fará parte do Inventário Nacional da Diversidade Linguística do Brasil (INDL), que tem como objetivo conhecer a variedade linguística do Brasil.

A pesquisa, que tem como coordenadores o professor da UFRGS, Cleo Vilson Altenhofen, e a professora e coordenadora do IPOL de Florianópolis (SC), Rosângela Morello, também contou com o apoio de outros três pesquisadores: o ex-professor de alemão em Domingos Martins e falante de hunsrückisch, André Kuster Cid, a professora de sociolinguística da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) Edenize Ponzo Peres, e o professor do IPOL Rodrigo Schlenker.

Em Marechal Floriano, o grupo foi guiado pela professora Reni Klippel e pelo coordenador do Grupo Folclórico Germânico Grünes Tal, do distrito de Santa Maria, Werner Bruske. Já em Domingos Martins, o pesquisador André Kuster foi o guia, enquanto que em Santa Leopoldina o grupo foi recebido por Jones Herzog.

Durante o mapeamento, a equipe realizou visitas às zonas rurais destas cidades. Foi analisada a história da língua nos municípios, seu uso e se ela é ensinada às crianças pelos pais ou na escola. Com esse trabalho, será possível conhecer e descrever as variedades da língua e onde estão essas pessoas que falam o hunsrückisch.

SURPRESAS – A professora e pesquisadora da Ufes, Edenize Ponzo Peres, afirmou que se surpreendeu com a quantidade de pessoas que ainda falam o hunsrückisch na região. Ela afirmou que o estudo vai contribuir muito para o reconhecimento dessa língua.

“Eu descobri uma riqueza que eu não tinha ideia que existia no Espírito Santo. Essa pesquisa vai ser muito importante para mostrar para as pessoas que o Estado tem uma diversificação linguística fantástica”, enfatizou a professora.

A coordenadora do IPOL, Rosângela Morello, afirmou que em muitas comunidades de Marechal Floriano e Domingos Martins o hunsrückisch é a língua que as pessoas falam no seu dia a dia.

“Alguns jovens têm manifestado a vontade de aprender. E o interessante é que são jovens cujos pais não falam a língua porque tiveram um processo de discriminação linguística muito forte e os avós não ensinaram porque não queriam que os filhos passassem por situações que eles passaram”, relatou a pesquisadora.

RESULTADOS – Após esse trabalho de campo, que também está sendo feito nos estados de Santa Catarina e Rio Grande do Sul, os dados coletados serão compilados e transformados em gráficos e dados estatísticos. A previsão é de que tudo esteja pronto no primeiro semestre de 2018, quando serão publicados no Inventário Nacional da Diversidade Linguística do Brasil (INDL), o que representará o reconhecimento da língua hunsrucküsch ou o hunsriqueano, como Referência Cultural Brasileira.

“Essa pesquisa não ficará apenas no Brasil, o que poderá atrair até pesquisadores internacionais para o Estado. Ao ver sua língua pesquisada e valorizada, esses falantes terão mais predisposição em manter e passar para as gerações futuras. Isso também é uma imensa homenagem aos imigrantes que lutaram tanto e que construíram boa parte do Espírito Santo”, destacou a professora e pesquisadora da Ufes, Edenize Ponzo Peres.

Projetos municipais podem contribuir para o incentivo à língua

Em Marechal Floriano, o grupo de pesquisadores teve a oportunidade de apresentar o projeto aos vereadores, durante uma sessão da Câmara Municipal. De acordo com a professora Reni Klippel, que mora e trabalha no município, seria ideal que fosse criando um projeto de incentivo à língua hunsrucküsch, da mesma forma que existe em municípios onde o pomerano é ensinado na sala de aula.

“Nós convivemos com muitos descendentes de hunsrucküsch, que hoje estão lamentando a perda da língua, que era falada pelos seus antepassados. Esse é o momento importante de fazer alguma ação concreta para preservar essa cultura tão importante em nossa região. É preciso fazer esse resgate, e o poder público tem um papel fundamental nesse processo”, garantiu Reni.

Santa Maria de Jetibá foi o primeiro município brasileiro que pôde contar com um senso linguístico municipal. “Nós fizemos parte desse trabalho, que levou à cooficialização do pomerano. Hoje o Brasil tem 20 municípios com línguas cooficiais. O primeiro passo para esse processo de reconhecimento é esse levantamento que estamos fazendo com relação ao hunsrucküsch”, relatou a coordenadora do IPOL, Rosângela Morello.

Inclusive, segundo a pesquisadora, o hunsrucküsch é língua cooficial em Antônio Carlos (SC) e Santa Maria do Herval (RS). “Marechal Floriano, por exemplo, tem todas as condições de ter um ensino bilíngue nas escolas. E podem ser desenvolvidas ações conjuntas entre vários municípios, como é o Proepo, que ensina o pomerano em escolas de alguns municípios do Espírito Santo” sugeriu.

DIALETO X LÍNGUA – Para Rosângela Morello, a nomeação do hunsrucküsch como língua brasileira é uma questão política. “Assim é possível fazer um reconhecimento histórico de um processo que começou há mais de 200 anos. As línguas sofreram muitas mudanças no decorrer dos anos, seja por influências locais, ou pelo desuso. E do ponto de vista político e histórico, as línguas seguiram seus percursos. E isso faz parte de todo o processo migratório”, destacou Rosângela.

Segundo ela, o dialeto foi uma construção teórica que olhava qual era a língua central e quais eram as variações. “Isso produz um efeito de que tudo que está distante dessa língua central é um desvio, ou é errado. E aqui no Brasil se criou o entendimento de que o alemão ou o italiano que é falado em diferentes regiões não merecem nem ser ensinado na escola, pois estão diferentes da língua padrão. E essa teoria apaga o processo histórico”, afirmou a estudiosa.

Ela destacou, ainda, que ao instrumentar as línguas históricas, ou seja, criar gramáticas específicas, será possível ensinar essas línguas em escolas. “Achar que essas línguas faladas aqui na região de montanhas são apenas um dialeto ou que se fala apenas entre as famílias, impede que essas línguas possam ser referências de um lugar e da construção histórica de um país”, enfatizou.

Fonte: Montanhas Capixabas

 

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