Jovens indígenas organizam rede de comunicadores no AM para aproximar aldeias distantes

Daniela usa rede de comunicadores para levar informação à aldeias distantes — Foto: Lana Torres/G1

Daniela usa rede de comunicadores para levar informação à aldeias distantes — Foto: Lana Torres/G1

Na tela do celular, a jovem indígena Daniela Patrícia Villegas Barbosa mostra os múltiplos idiomas falados em um grupo de troca de mensagens online. O português prevalece, mas são as frases em tukano, uma das línguas oficiais de São Gabriel da Cachoeira (AM), que revelam o objetivo da ferramenta: reunir e aproximar a juventude das aldeias do Alto Rio Negro. E, como a internet na cidade ainda é privilégio de poucos, os voluntários criaram também um programa de rádio para promover a interação, inclusive, com comunidades mais isoladas.

A Rede de Comunicadores do Alto Rio Negro existe há um pouco mais de um ano. Os jovens têm um programa semanal, aos sábados, numa rádio comunitária, onde difundem informações que julgam importantes de chegar às aldeias mais longínquas. Foi por este meio que a informação do primeiro vestibular indígena da Unicamp, que teve 350 inscritos na cidade de São Gabriel, chegou para muitos moradores.

“Como a gente tem as ondas tropicais que atingem as comunidades, então, fica mais fácil delas ouvirem através da rádio as orientações, a data, o local e o horário da prova”, afirma Claudia Ferraz, uma das coordenadoras da rede.

Colômbia x São Gabriel x Campinas

Daniela é refugiada, e veio para o Brasil com a família aos 8 anos durante o período de guerrilha na Colômbia. Ela vive com os pais e quatro dos seis irmãos em uma casa de construção inacabada, cercada por vegetação, onde a mãe vende para a vizinhança açaí e outros produtos agrícolas colhidos no sítio da família.

É do quarto que divide com as duas irmãs, entre livros, mochilas e porta-retratos com a clássica foto delas de beca na formatura do ensino básico, que ela conta o sonho de profissionalizar-se por meio do estudo neste papel de comunicadora. Daniela é uma das indígenas que prestou o vestibular da Unicamp neste domingo em busca de uma das 2 únicas vagas oferecidas para midialogia no processo seletivo especial.

“Se eu passar, é seguir em frente, buscar novas oportunidades e quem sabe retornar ao município para trazer novas experiências que a gente ganhou lá fora”, diz.

Em uma comunidade tradicionalmente introspectiva e tímida, a jovem desenvolveu a habilidade de se comunicar como poucos por aqui. O repertório amplo de informações, ela conta que veio do desejo de conhecer o lugar onde a família escolheu viver.

Casa inacabada em São Gabriel da Cachoeira onde Daniela vive com a família — Foto: Lana Torres/G1

Casa inacabada em São Gabriel da Cachoeira onde Daniela vive com a família — Foto: Lana Torres/G1

“Para conhecer outros lugares, a gente precisa primeiro conhecer o lugar onde a gente mora. Então eu pesquiso, sempre pesquisei, muito sobre as atualidades, sobre o que está acontecendo no Brasil”.

E, segundo Daniela, o coletivo de comunicadores veio ao encontro desta vocação. “Quando eu entrei, a rede estava praticamente fazendo um ano, e eu pensei: ‘Nossa, a gente precisa mesmo fazer isso, levar as notícias que estão acontecendo aqui e nas comunidades. Porque é muito fácil falar ‘nas comunidades falta isso, falta aquilo’ enquanto a gente não conhece a realidade um do outro”, explica.

Quarto de jovem indígena que sonha em fazer midialogia na Unicamp — Foto: Lana Torres/G1

Quarto de jovem indígena que sonha em fazer midialogia na Unicamp — Foto: Lana Torres/G1

Futura pedagoga?

Colega de Daniela na apresentação do programa de rádio, Aghata Cristina Vieira também fez a prova da Unicamp no último domingo. Embora como comunicadora ela já chegue a muitos lugares (a rede já envia material pela internet até para ouvinte da Europa), a jovem da etnia Baré vê no vestibular da Unicamp uma oportunidade para driblar a dificuldade de acesso ao ensino superior.

“Eu vi no vestibular uma oportunidade de ingressar em uma universidade fora da minha cidade natal. Pois eu sempre tive curiosidade de conhecer outros lugares, pessoas novas. Enfim, tentar algo que poucas pessoas daqui conseguem”

FIlha de auxiliar de serviços gerais e borracheiro, Aghata sonha em estudar para exercer uma profissão que auxilie diretamente o desenvolvimento das pessoas. Para isso, vai prestar pedagogia e nutrição. “Meu sonho é poder me formar e ajudar jovens e crianças”, conta.

Daniela e Agatha apresentam programas de rádio para informar aldeias distantes — Foto: Lindon Jonhson

Daniela e Agatha apresentam programas de rádio para informar aldeias distantes — Foto: Lindon Jonhson

Vestibular indígena

A Unicamp realizou neste domingo pela primeira vez o vestibular indígena, que reservou 72 vagas em 27 cursos para serem disputados exclusivamente entre eles. Dos 610 inscritos, 354 estiveram presente para fazer o exame, que foi composto de 50 questões de múltipla escolha e uma redação. O resultado do exame será divulgado em 29 de janeiro.

*colaborou Lindon Jonhson, correspondente da Rede Amazônica em São Gabriel da Cachoeira

Fonte: G1

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