IPOL entrevista Peter Lorenzo, diretor do Documentário Receitas da Memória
Publicado em05/04/2017
No dia 08 de abril, 18 horas, no auditório da sede da AMMVI, em Blumenau/SC, será apresentado o documentário RECEITAS DA MEMÓRIA, produzido pelo IPOL e dirigido por Peter Lorenzo
Gravações do Documentários. Em cena: Helena Tarnosvki e Ana Paula Seiffert (pesquisadora). Fonte: acervo próprio.
O documentário foi realizado através do convênio PNPI/IPHAN 2014, um edital do Instituto do Patrimônio Histórico Nacional para o Programa Nacional do Patrimônio Imaterial (PNPI), que viabiliza projetos de identificação, reconhecimento, salvaguarda e promoção da dimensão imaterial do Patrimônio Cultural Brasileiro, com respeito e proteção dos direitos difusos ou coletivos relativos à preservação e ao uso desse bem. Segundo o diretor:
O documentário Receitas da Memória foi realizado na região do Vale Médio do Itajaí entrevistando falantes das comunidades alemã, italiana e polonesa e aborda o uso das línguas de imigração e a manutenção das memórias através de um viés que busca lembranças nas receitas familiares.
IPOL: De onde surgiu a inspiração para a realização do Receitas da Memória?
Gravação do documentário. Em cena: Nero Bonatti e Peter Lorenzo (diretor). Fonte: acervo próprio.
PETER: O doc Receitas da Memória surgiu durante a pesquisa de campo de um outro projeto do IPOL chamado RECEITAS DA IMIGRAÇÃO, um livro, que buscando receitas familiares junto das comunidades alemã, polonesa, italiana, levantou dados e evidências da presença dos falantes de línguas de imigração da região do vale médio do itajaí. Cada entrevista abria uma janela para lembranças familiares, histórias da região, memórias de duas, três, quatro gerações de descendentes… e foi durante deslocamentos entre avenidas, ruas, vielas, estradas vicinais, caminhos e acessos a moradas em locais mais ermos, que surgiu a ideia de otimizar as relações que iam se constituindo e traçar um painel sobre o uso destas línguas de imigração na região.
IPOL: Como se deu a criação do roteiro do documentário?
PETER: Um documentário surge a partir de um pressuposto… no caso, a percepção de que as línguas de imigração desta região do vale médio do itajaí vão se perdendo no século XXI e, a exemplo de inúmeras outras situações pelo mundo, parece ser irreversível. Esse processo de perda do mais importante traço cultural, sua língua, é um fenômeno mundial decorrente do processo civilizatório e das opções que as sociedades vão enfrentando, seja por opção, seja por imposição; acomodação ou dominação… onde, abandonando, ou sendo afastado de sua memória, as sociedades tem como resultado o esvaziamento paulatino de sua história particular até então mantida pela comunidade na oralidade e uso fluente de seus recursos de expressão. É claro que são situações completamente diferentes as vividas por comunidades autóctones e as dos descendentes de povos imigrantes, mas, na verdade, de uma forma e de outra… todos perdem… deixando de ser, deixando de viver, aquilo que seus ancestrais experimentavam, apregoavam, mantinham. O processo é violento porque corta, impede, apaga, elimina, afasta o indivíduo do seu coletivo. Esse movimento de ruptura é de ordem política e econômica e vem como imposição não correspondendo ao que as pessoas vivem nas comunidades, quando aprendendo e trocando conhecimentos numa interação simples, vivem e experimentam a diversidade cultural. Então, após uma pesquisa de fundo sobre a história da região, o documentário foi surgindo, ganhando forma, pela manifestação desse afastamento da memória. Percebi quão importante era dar forma a essa percepção sobre a perda objetivando um raciocínio de alerta sobre a questão.
Gravação do documentário. Em cena: Elisabeth Germer e Darya Goerisch (repórter). Fonte: Acervo próprio.
IPOL: Em quais localidades o Receitas da Memória foi filmado?
PETER: o documentário, finalizado com 52 minutos, foi totalmente gravado nos arredores da região do Médio Vale Itajai: Blumenau, Gaspar, Indaial, Pomerode, Timbó, Rio dos Cedros, mas sem a preocupação de caracterizar localidades ou paisagens para assim garantir o foco na questão linguística pois a cada conversa ficava evidente o desuso, o abandono, a perda, que uma geração pratica e a mais nova sofre, enfrenta. Portanto, poeticamente, a localidade que importa é a que está em seu redor, onde vc estiver e onde vive sua história.
Se considerarmos as características da colonização dessa região com falantes das línguas maternas alemãs… italianas … polonesas… colonização grosso modo iniciada em 1850…. e que viviam em comunidades preservando cultura e suas marcas… e que foram radicalmente reprimidas na primeira parte sec XX, essa forma de viver… de brasileiros com heranças culturais muito claras e definidas, neste caso européias, mas que poderiam ser de origem afrodescendente ou indígenas… brasileiros então que interagiam socialmente… promoviam… produziam… mas que subitamente foram privados do direito de ser conforme sua história particular. Essa foi a ruptura… a segunda metade do século XX viveu esse abandono das marcas e sofrendo a transformação, a sociedade foi buscando, desenvolvendo, formas para manter essas características. Algumas soluções discursam por um raciocínio do turismo, um turismo étnico e o desenvolvimento de uma economia familiar calçado na história e arquitetura … outras por um memorialismo familiar presente em centenas de páginas na web… outras ainda, convertidas em politicas públicas via IPHAN e MINC, vão criando os alicerces para a preservação do patrimônio material e imaterial tão plural no Brasil. Mas o problema está dentro de nós, em nossas casas, em nossa forma de ser e participar; isto porque parece que simplesmente seguimos a correnteza do rio.. nos deixamos levar.
O documentário traz, por exemplo, duas imagens semelhantes junto do itajaí-açu… a primeira datada nos anos 20 do século passado mostra uma jovem que admira o fluxo e a beleza do rio, ela vê a paisagem, as águas, as construções ao longe, … a outra imagem tomada em 2016 mostra outra jovem absorta, perdida em seu smartphone, navegando em redes sociais e ouvindo sons que não são os dali… o rio que corre diante dela está tomado pelo barro, as margens tomadas por construções e ela parece não estar ali. Sea vida é apenas o que vivemos, a diferença, a mudança está naquilo que podemos fazer. A costura das falas do documentário procuram uma coesão nesse sentido.
Fonte: AHJFS / Peter Lorenzo
IPOL: Existe um público alvo do documentário? Se sim, qual seria?
PETER: As comunidades são o alvo.. o foco… a razão de ser do documentário. A pretensão foi a de reunir falas e imagens e ideias e conexões para demonstrar a fragilidade do que somos e temos. Procura dar voz a atitudes pertinentes, a pensamento positivos para romper com essa barreira monolíngue que herdamos… para isso o doc construiu uma voz própria ampliando o rol de conversas e estabelecendo conexões entre memória e realidade… não como verdades absolutas, mas versões contadas pelas pessoas. Então, a se considerar um público, é o público jovem o mais desejado porque é nele que está a possibilidade da transformação. Nós contamos, demonstramos, damos instrumentos e orientação… mas a ação transformadora está no jovem indivíduo / agente da comunidade… o futuro cidadão. Nada, nada na vida e na arte, nenhum documentário, ficção, romance, poesia, dramaturgia, artes visuais existirá, terá sentido, sem a correspondência de um público… é nossa responsabilidade que essa audiência seja estimulada, provocada, questionada. É isso que pode promover, e promove de fato, mudanças. É preciso ver, sentir, pensar e falar. Mudanças vem assim.
Você pode conferir o documentário no lançamento
08|04|2017 | 18h | entrada gratuíta
LOCAL: Sede da AMMVI | Rua Alberto Stein, 466 | Velha BLUMENAU | SC
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