Escolas indígenas para o resgate das tradições

Comunidades da Terra Indígena Raposa Serra do Sol (RR) utilizam a educação como ferramenta para resgatar a tradição cultural das etnias da região.

“Morîîpe erepantî”.

É com esta saudação que os visitantes são recebidos na Escola Estadual Padre José de Anchieta, uma das duas existentes na Comunidade do Barro. A saudação significa “sejam bem-vindos” na língua macuxi e revela um novo entendimento no processo de educação dos povos indígenas.

Cerca de 250 alunos de diferentes comunidades da Raposa Serra do Sol cursam da 1ª a 9ª séries do Ensino Fundamental. A escola também oferece turmas na modalidade de Educação de Jovens e Adultos (EJA).

De acordo com a gestora da escola, Natalina da Silva Messias, além do português, os alunos são alfabetizados nas línguas macuxi e taurepangue. Ela conta que esta foi uma das muitas conquistas dos povos da Raposa Serra do Sol nos últimos anos. O ensino dessas línguas tem contribuído para a retomada da cultura dos povos que habitam a região.

“Pra nós, o ensino das línguas indígenas tem o mesmo peso do da língua portuguesa, o mesmo valor do de outras línguas. É um compromisso da gestão (escolar), de fortalecer a cultura, a língua, a dança dos povos da região”. Antes, os índios eram desestimulados a falar as suas línguas.

“Porque foi ensinado, repassado pra gente, que a língua indígena era uma gíria, que ela era inferior”, conta a gestora. Atualmente, a língua indígena é ensinada no contraturno das aulas.

As crianças já são alfabetizadas no português e no macuxi ou taurepangue. Adolescentes que até pouco tempo praticamente não falavam as suas línguas também são alfabetizados. “Nós trabalhamos a língua indígena no horário oposto, no primeiro nível, que é a alfabetização. O segundo nível é aquele que já ouve, já escreve, porque já aprendeu com o pai. Alguns deles já sabem porque o pai é falante (da língua indígena), então nós dividimos”, conta.

A metodologia não distingue a série dos alunos. Além disso, a escola desenvolve o Projeto Musicar, em que os alunos traduzem músicas do português para o macuxi. “Ele pode estar lá no ensino médio, mas se ele não sabe nada, vai para a alfabetização na língua. Os alunos do segundo nível já começaram a traduzir algumas músicas do português”, diz.

Alunos traduzem Hino Nacional para macuxi

Segundo a gestora Natalina da Silva Messias, a Escola Estadual Padre José de Anchieta ganhou dez violões e os alunos também começam a produzir alguns cantos, a traduzir na língua macuxi, que é predominante. “Agora eles já iniciaram a tradução do Hino Nacional para o macuxi. Então é assim que nós estamos implementando”, conta.

Os mais velhos também contribuem para o aprendizado. Eles são convidados para falar sobre os costumes antigos, ensinam as danças e reproduzem os rituais. “A língua não se dá só falando, né?! Mas é ouvindo a história do nosso povo, a luta, toda essa caminhada. Então, hoje a gente já tem o professor, como nós falamos, específico de línguas, né, que conhece, trabalhando a metodologia indígena”.

Natalina lembra que a Comunidade Barro ainda tem o pajé. “(Ele) sabe de infinitas músicas na língua macuxi. Ele vem pra cá, nos ajuda, a fazer o trabalho… Porque o indígena é assim. Eu aprendi com meu povo, a gente canta na tristeza, a gente canta na alegria, então a gente vai conquistando e aprendendo”.

Comunidades conquistaram espaços na gestão escolar

A mudança na concepção do ensino foi uma determinação da comunidade, que entendeu o potencial da educação na preservação dos costumes e, por isso, conta com o apoio de todos. “Lá também estamos ensinando nossa língua e nossos costumes”, diz a gestora Natalina da Silva Messias.

A escola reflete uma concepção adotada nas outras comunidades da Raposa Serra do Sol, com a diferença de que dispõe de uma boa estrutura física para os padrões da região. E os índios acabam se responsabilizando pela construção dos locais de ensino. Em razão dessa necessidade, foi criada a Organização dos Professores Indígenas (Opir), cuja missão é buscar melhorias na educação dos povos indígenas em Roraima. O presidente da Opir, Telmo Raposo, lembra que muito ainda precisa ser feito.

“A educação é uma das chaves para o fortalecimento das comunidades indígenas. O movimento indígena conquistou espaços na gestão da educação escolar e avançou na formação de professores indígenas”, diz. Antes, os índios só conseguiam estudar até o Ensino Médio e não havia a formação de professores indígenas habilitados para o ensino. Isso era um fator que dificultava o ensino da língua e dos costumes. “Com muito custo só conseguiam fazer o magistério”, afirmou Telmo.

Hoje, cerca de 200 estudantes das etnias Macuxi, Wapixana, Taurepang, Wai-wai, Ingarikó e Yekuana frequentam o curso de Licenciatura Intercultural, com quatro anos e meio de duração, e forma professores indígenas para os ensinos Fundamental e Médio.

Fonte: D24am

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