Docência plural: território e cultura na quebra do monolinguismo

Escolas precisam considerar as outras línguas, como as indígenas, e entendê-las como recurso, aponta Rosângela Morello, diretora do Instituto de Investigação e Desenvolvimento em Política Linguística (IPOL)

O papel da cultura e da vivência com outras línguas ajuda a quebrar ideologias e a crença de que o Brasil possui apenas uma língua, uma vez que a maioria da população não conhece a diversidade linguística do próprio país – são cerca de 250 línguas indígenas só em território brasileiro. Inclusive, nas fronteiras entre países, o processo de aprendizagem de novos idiomas tende a ser mais forte.

Justamente com o objetivo de destravar as barreiras, oferecendo aos gestores uma formação voltada para a atuação em contextos multilíngues e multiculturais com projetos ligados às fronteiras, foi lançado este ano pela Organização dos Estados Ibero-americanos para a Educação, a Ciência e a Cultura no Brasil (OEI) o curso gratuito Docência Plural: Interculturalidade e Bi/Multilinguismo.

Presença natural

“[No projeto Cruzando Fronteiras*] foi interessante a experiência em Ponta Porã [município no Mato Grosso do Sul] em que motivada pelos assessores do projeto, uma professora pergunta a crianças em sala de aula: ‘quem aqui sabe falar guarani?’ Das crianças ali, a poucos metros da fronteira com o Paraguai, ninguém sabia falar. Quando o projeto avançou, trouxeram uma professora paraguaia que entrou na sala e começou a falar guarani. Várias crianças logo depois começaram a responder em guarani, começaram a interagir na língua e usar o idioma perfeitamente porque se sentiram autorizadas e perderam o medo de falar [em outro idioma que não fosse o português]”, recordou Gilvan Muller de Oliveira, coordenador da cátedra Unesco em Políticas Linguísticas para o Multilinguismo, da UFSC.

Gilvan é um dos professores do curso Docência Plural, que é um dos leques do *Cruzando Fronteiras, projeto voltado ao desenvolvimento de ações para promover a língua portuguesa e outras línguas da região, desenvolvido pela OEI junto ao Ministério da Educação.

“O direito cultural, que fixa os direitos humanos ligados às línguas e às culturas, dá origem ao chamado direito linguístico, que ainda está em formulação em alguns países e é um elemento essencial para compreendermos como a interculturalidade e o multilinguismo são fatores de acolhimento, de sucesso de aprendizado e de valorização das heranças culturais que estão expostas nessas múltiplas comunidades que existem”, concluiu Gilvan.

Escolas precisam interagir com as realidades culturais, incluindo as mais de 200 línguas brasileiras, defenderam professores (foto: divulgação/OEI)

É preciso sair do monolinguismo

Rosângela Morello, diretora do Instituto de Investigação e Desenvolvimento em Política Linguística (IPOL) e também professora no curso recém-lançado diz que o enraizamento do idioma português no Brasil é uma das grandes dificuldades para a quebra de apenas uma língua falada.

“O monolinguismo é uma ideologia e prática que está enraizado não só na prática pedagógica, mas em todo o funcionamento do estado brasileiro. Então quando lidamos com situações multilíngues como essa que a fronteira propõe…precisamos sair da crença de que o monolinguismo é a única solução para as nossas questões, porque é o contrário, ele impede acessos e exclui”, alertou Rosângela Morello.

A diretora defende o deslocamento sobre o modo de conhecer outros idiomas, trabalhar em rede e ter uma abertura para programas de integração regional, porque socializar com outras línguas possibilitam uma aprendizagem mais funcional.

“Em São Gabriel da Cachoeira [município do Amazonas] é comum a criança ter como língua materna sua língua indígena – aquela usada na comunidade [como socialização] –, e na cidade ter o português e até o espanhol. São contextos de multilinguismo muito ativos. Sendo assim, quando em nossas escolas propomos que haja apenas dois lugares para as línguas, tal como está no nosso currículo, em que você tem a língua portuguesa entendida como a de todo mundo e mais uma língua que seria a estrangeira, e todas essas outras línguas? Temos que pensar nesse deslocamento”, ressaltou Rosângela.

Segundo Rosângela, é fundamental que as escolas, em suas estruturas curriculares, tragam esse multilinguismo e que entendam que essas diversas línguas podem ser entendidas como recursos “para haver deslocamento em relação a essas posições de línguas. Que caibam mais línguas. É importante que desloquemos esse binarismo para também um lugar multiplamente habitado por línguas”, concluiu.

*Gilvan Muller de Oliveira e Rosângela Morello participaram ontem, 15, da 2ª edição do Diálogos sobre Educação, que acontece entre 14 e 16 de dezembro, em Brasília, com organização da Organização dos Estados Ibero-americanos (OEI). Para mais informações sobre o evento clique aqui.

Assista em nosso canal Os desafios de uma educação bilíngue intercultural e insurgente

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