CineOP 2017: Noite de abertura é marcada por homenagens e pelo passado glorioso da Cinédia
A primeira imagem projetada na tela do Cine Vila Rica logo no início da cerimônia de abertura da tradicional Mostra de Cinema de Ouro Preto, na noite de quinta-feira (22), foi o rosto em primeiro plano da socióloga indígena Avelin Buniacá Kambiwá. Na face da mulher, uma lágrima escorre pela pintura de guerra feita com carvão e urucum enquanto ela fala sobre as lutas dos povos indígenas para sobreviver no Brasil ao longo dos últimos cinco séculos.
O brado de resistência de Kambiwá encontrou par e ressonância temática na poderosa performance musical do coletivo Negras Autoras, que usou a força do canto e da percussão para abordar a emergência da questão negra e de gênero no país.
Dedicada à noção de cinema como patrimônio, a CineOP chega a sua 12ª edição em 2017 com a proposta de debater a representação de grupos historicamente marginalizados ao longo de décadas de produção audiovisual no país. A pergunta “Quem conta a História no cinema brasileiro?” é o mote da mostra neste ano, que já em sua noite de abertura propôs um debate sobre o chamado “lugar de fala” e sobre protagonismo e representação de minorias na sétima arte.
Homenagens
É comum que festivais de cinema prestem honrarias a personalidades notáveis do campo do audiovisual, mas geralmente tais celebrações se reservam a atores, atrizes e cineastas. Neste ano, a CineOP se propôs a “quebrar o padrão de forma definitiva” e “pensar o patrimônio audiovisual de forma ampla, contemplando seus diferentes atores e construtores” na escolha dos homenageados.
O homenageado na temática preservação foi o dicionarista, pesquisador, colecionador e enciclopedista cinematográfico Antônio Leão, autor de obras fundamentais para todo pesquisador interessado na história do cinema nacional. A partir da década de 90, Leão publicou livros como Astros e estrelas do cinema brasileiro (1998), Dicionário de Filmes Brasileiros – Longa Metragem (2002), Dicionário de Filmes Brasileiros – Curta e Média Metragem (2006) e Super-8 no Brasil: um sonho de cinema (2017).
Emocionado, Leão falou sobre seu primeiro contato com o cinema, ainda na infância, e mencionou o fascínio por um projetor que foi apresentado a ele por seu tio quando tinha 10 anos. “Eu fiquei encantado com aquela imagem, com aquela magia”. Ele dedicou o prêmio à sua família, “ao pessoal da Cinemateca Brasileira” e aos membros da Associação Brasileira de Preservação Audiovisual (ABPA), que fazem o trabalho de “formiguinha”. Uma de suas falas mais marcantes, que sintetiza sua visão de trabalho foi: “Um filme pode não existir, mas alguém tem que saber que ele existiu”.
Cristina Amaral, montadora proeminente do cinema nacional nas últimas três décadas, foi a homenageada na temática histórica. “A figura da Cristina é para a gente um farol. Ela tem uma personalidade que é tão forte quanto a personalidade de produtores ou diretores porque ela tem um discurso sobre aquilo que ela faz”, afirmou o curador Francis Vogner dos Reis, que entregou a ela o Troféu Vila Rica. “Eu fico muito comovida com essas palavras todas. Eu só tenho a agradecer”, disse a responsável pela edição de filmes fundamentais do cinema de autor no Brasil, como Alma Corsária (1993), de Carlos Reichenbach, e Serras da Desordem (2006), de Andrea Tonacci.
Na temática educação a homenagem foi para o projeto Vídeo nas Aldeias, idealizado pelo diretor e indigenista Vincent Carelli, diretor do elogiado documentário Martírio (que integra a programação da 12ª CineOP). A ação se dedica à formação audiovisual de indígenas para que eles possam, de forma autônoma, filmar e projetar obras que reflitam suas visões de mundo e sua cultura. A cineasta Para Yaxapy recebeu o prêmio em nome do projeto e questionou o fato da população brasileira não enxergar na diversidade de línguas e povos indígenas existentes no país um sinal de riqueza cultural. “Chegou o momento de pensar essa situação”
A persistência da memória
“Acho que vocês vão gostar”, disse uma bem-humorada Alice Gonzaga antes da exibição do documentário de abertura da 12ª CineOP. O filme retrata a paixão dela pela preservação de um rico acervo de artigos que remontam à uma era de vanguarda, experimentações e, principalmente, sonhos e ideais de desenvolvimento da indústria cinematográfica no Brasil. A julgar pelas reações do público presente no Cine Vila Rica e pela intensidade dos aplausos ao final da sessão, a simpática Alice acertou em cheio na previsão.
A força do documentário Desarquivando Alice Gonzaga, de Betse de Paula, está, justamente, na forma vívida e divertida como a retratada fala sobre sua vida como filha de Adhemar Gonzaga, que iniciou a carreira como um jornalista incentivador do cinema ao fundar a revista Cinearte e depois se tornou cineasta, produtor e empresário do ramo cinematográfico ao fundar a Cinédia, primeiro estúdio de cinema no Brasil. De lá vieram filmes importantes como Limite (1931), de Mário Peixoto; Ganga Bruta (1933), de Humberto Mauro; e Alô, Alô, Carnaval (1936), de Adhemar Gonzaga e Wallace Downey; e O Ébrio (1946), de Gilda Abreu. Foi na Cinédia que nomes como Carmen Miranda, Oscarito, Grande Otelo e Dercy Gonçalves tiveram suas primeiras chances de brilhar.
Filha única de Adhemar e herdeira de seu legado, Alice é filmada entre pilhas e mais pilhas de arquivos, documentos, negativos e fotografias nas quais sua vida pessoal se confunde com a história da Cinédia. A mania por organização rende momentos divertidos como quando ela visita o jazigo da família no cemitério e diz que reorganizou as urnas funerárias de todos. O apego à coisas singelas, como uma embalagem de presente que recebeu de seu marido e guardou por décadas, e o senso de propósito de Alice Gonzaga na missão de preservar a memória e a identidade do passado glorioso da Cinédia são tocantes.
*O AdoroCinema viajou para Ouro Preto a convite da CineOP
Fonte: AdoroCinema
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