Babel é aqui: A Alemanha é, cada vez mais, um país de imigrantes e muitas línguas
Babel é aqui: A Alemanha é, cada vez mais, um país de imigrantes e muitas línguas
Ivana Ebel
A cena é típica: eu e meu marido (ou amigos brasileiros) conversando em algum lugar público – pode ser o trem, um restaurante, um parque. Um grupo de alemães em volta começa a olhar e sorrir discretamente. Nós começamos a aposta. Quanto tempo ou qual das pessoas do grupo vai se aproximar e soltar a clássica pergunta: com licença! Mas, que língua vocês estão falando?
Já perdi a conta das vezes que isso aconteceu. Não é algo que me chateie: pelo contrário. É sempre engraçado ver a reação dos alemães quando falamos que somos brasileiros. É uma forma de quebrar paradigmas. Poucos, muito poucos sabem da colonização alemã no Sul do Brasil. Se eu digo que sou de Blumenau, me perguntam se fica na Baviera. Quando estou de bom humor, conto um pouco sobre a história da imigração europeia para as Américas no século 19, coisa que passa bem distante dos currículos escolares por aqui.
Uma das situações mais cômicas aconteceu uns dois anos depois de eu chegar aqui. Saí da universidade e esbarrei, por acaso, com um grupo de brasileiros que estava fazendo uma visita técnica. O grupo era o resumo do suprassumo do Brasil: gente de Norte a Sul. De pele negra, de olho puxado, de cabelo escuro e escorrido, gente de olhos azuis. Falávamos português com animação quando uma senhora de meia idade (com cara de professora, me perdoem o estereótipo!) chegou perguntando: vocês estão falando Esperanto? Para ela, só podia ser. Como um grupo tão eclético poderia ter uma língua comum? Explicamos um pouquinho de história do Brasil e veio o trem.
Por aqui, nosso país ainda é um grande clichê. O Brasil é popular na Alemanha por causa do futebol. E da caipirinha. E do samba. Amazônia e Foz do Iguaçu também são mencionados. Mais recentemente, alguns ouviram falar de Florianópolis. Mas termina aí: a importância que a Alemanha tem no imaginário blumenauense não é correspondida nem por uma fração de segundo. Com exceções claro, para confirmar a regra. Conheci dois ou três alemães que acertaram na lata de onde eu era. Um deles já tinha ido pra Blumenau só para conhecer a nossa Oktoberfest e jurou de pé junto que a nossa é melhor que a original. Tá. Mentira. Não jurou. Mas fez muitos elogios.
Meu país nem é tão tropical assim
Para eles é engraçado pensar em uma versão tão tropicalizada das tradições. E mais que isso: entender que nem tudo no Brasil é tropical – praia, mar e calor. Na última estatística oficial do governo alemão, somos em 38.253 brasileiros por terras germânicas, mas creio que esse número seja bem maior pelo tanto de português que escuto nas ruas. Muitos têm dupla cidadania e ficam fora da conta por serem também alemães ou engrossam o volume de italianos, portugueses e poloneses por essas bandas.
Os turcos ainda são a maioria dos imigrantes na Alemanha: em torno de 1,5 milhões entre uma população de 81,1 milhões. No total, o governo estima que mais de 10% da população alemã seja de pessoas de outras nacionalidades. Só no ano passado chegaram 519.300 novos estrangeiros no país e a taxa de natalidade também é mais alta entre quem vem de fora. Hoje, 20% dos bebês que nascem na Alemanha têm ao menos um dos pais estrangeiros. Entre os alemães, tem mais gente morrendo do que nascendo, o que me leva a crer que, em poucos anos, uma roda tão eclética quanto o nosso grupo de brasileiros, mas falando alemão, não será mais surpresa pelas ruas de um país cada vez mais internacional.
Em Berlim já é assim. É mais ou menos como ir a Brasília ou Florianópolis e tentar encontrar alguém que nasceu na cidade. Outro dia mesmo, no metrô, parei para olhar em volta: alguns grupos de pessoas conversavam entre si animados, a caminho da festa. Contei oito línguas diferentes em não mais do que 25 pessoas e, curiosamente, ninguém estava falando alemão. Claro que isso é uma coisa de Berlim. Há quem passe a vida inteira aqui falando só inglês. Já no interior da Alemanha, pouca gente fala uma segunda língua fluentemente. No que era a Alemanha Ocidental, muitos entendem inglês e arranham francês. Mas na parte comunista, senhoras e senhores ainda lembram algumas palavras de russo. Coisas que só se vê em um país que um dia já foi dois e hoje está disposto a ser muitos.
A Alemanha se entrega ao multiculturalismo com programas de acolhimento, escolas de alemão subsidiadas pelo governo, programas de asilo e vistos de trabalho. No Brasil, nós, descendentes de imigrantes, temos memória curta. Não faltam aqueles que investem um bom dinheiro para conseguir o passaporte europeu por um direito de sangue ao mesmo tempo que se viram com ferocidade contra os haitianos que, com 75% de desemprego em seu país, buscam a mesma chance que foi dada aos nossos avós.
Ivana Ebel é “alemôa” de Blumenau e tem certeza que nasceu na região mais alemã do planeta. É jornalista com experiência no Brasil e mundo a fora. Começou sua carreira escrevendo para o Santa e vive na Alemanha desde 2008. Direto de Berlim, escreve o Fala, Alemôa! para dividir impressões, contar experiências pessoais e para mostrar um pouco mais do país que agora chama de casa. Vê o Vale do Itajaí e o mundo de forma crítica mas bem-humorada, e escreve sobre as diferenças e similaridades entre as duas culturas.
Fonte: Blog Fala, Alemôa! – ClicRBS