Capacitações são objeto de recomendação do Ministério Público Federal expedida para evitar atendimento discriminatório ou inadequado aos indígenas nessas instituições
Uma série de oficinas programadas pela Fundação Nacional do Índio (Funai), à Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn), por recomendação do Ministério Público Federal no Amazonas (MPF/AM), levarão informações a agentes públicos que oferecem atendimento no município de São Gabriel da Cachoeira (a 852 quilômetros de Manaus) sobre os modos de vida e as peculiaridades culturais dos povos indígenas da região do rio Negro.
Ao todo, serão realizados dez eventos, entre oficinas, seminários e conferências, de maio a novembro de 2016, com o objetivo de melhorar e adequar o atendimento de funcionários e agentes públicos em relação à população indígena do rio Negro que busca atendimento em São Gabriel da Cachoeira. Temáticas como a morte segundo os costumes e tradições indígenas, culinária e sistema agrícola tradicional do rio Negro e organização social e política dos povos indígenas da região estão entre os principais assuntos a serem discutidos.
A
recomendação que motivou as oficinas foi expedida a partir de informações coletadas durante visita do MPF/AM ao município, no início de março. Lideranças indígenas relataram ao procurador da República Fernando Merloto que sofrem constantemente com atendimento discriminatório nas instituições públicas e bancárias do município ao buscarem os serviços oferecidos na sede da cidade. São comuns, segundo relatos apresentados na audiência, comentários pejorativos e discriminatórios em relação a problemas e conflitos que afetam diretamente as populações indígenas, como alcoolismo e uso de drogas.
Pelo documento expedido pelo MPF, órgãos como a Prefeitura de São Gabriel da Cachoeira, Secretaria Municipal de Assistência Social, Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), Exército Brasileiro, Marinha do Brasil, Distrito Sanitário Especial Indígena (Dsei) Alto Rio Negro, Banco do Brasil, Banco Bradesco e demais instituições que atuam na cidade, de forma especial as que prestam atendimento ao público, deverão indicar colaboradores para participação nos eventos promovidos pela Funai e pela Foirn.
Na
proposta enviada ao MPF como resposta à recomendação, a Coordenação Regional da Funai no Rio Negro prevê ainda a participação de 12 tradutores indígenas das seis línguas faladas pelos povos da região (Baniwa, Tukano, Nhengatu, Yanomami, Hup’däh e Yuhupdéh) para auxiliarem na confecção de cartazes e informativos nas línguas indígenas e auxiliarem no atendimento do Cadastro Único para Programas Sociais (CadÚnico) e em órgãos como Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e Receita Federal, entre outros.
Maior população indígena do país – A eficácia da recomendação ganha maior importância na cidade amazonense que faz fronteira com a Colômbia e com a Venezuela, já que, de cada dez habitantes, sete se declararam indígenas no último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), realizado em 2010. Em números absolutos, São Gabriel da Cachoeira é a cidade brasileira com a maior população indígena do Brasil (29.017).
Relatos acumulados durante os quatro anos experiência da assistente social Ana Paula Medeiros Lima no trabalho com saúde indígena no município reforçam a necessidade de haver melhor preparo dos atendentes ao público em São Gabriel, dada as características socioculturais da população. Ela conta ter ficado impactada ao chegar à cidade, em 2012, diante da diversidade de línguas faladas nas ruas da sede pelos indígenas. “Parecia que estava em outro país. Me senti completamente leiga por desconhecer aquela realidade dentro do meu país”, disse.
O despreparo das instituições públicas locais ao lidar com as peculiaridades dos povos indígenas da região, segundo a assistente social, é bastante visível, em especial na área da saúde. As remoções de pacientes para atendimentos de maior complexidade, em Manaus, são exemplos desse quadro que marginaliza os indígenas e dificulta seu acesso ao pleno exercício da cidadania. Ela conta que os indígenas não eram acolhidos em seus medos, inseguranças e desejos pelas equipes. “Eram obrigados a ir sem ter direito a escolha em fazer ou não o tratamento. Suas crenças, cultura e tradições nunca foram acolhidas”, acrescentou Ana Paula Lima, que hoje integra o Coletivo de Apoio à causa Rup-Yurup (Cachy), que atua na defesa dos direitos dos povos hup’däh e yurupdéh.