Articulação Brasil-China: Projeto Transul como alavanca de desenvolvimento

Opinião
Articulação Brics-Unasul como alavanca do desenvolvimento brasileiro

J. Carlos de Assis*

brasil_chinaA economia brasileira passa por uma fase de estagnação que pode prolongar-se por anos caso não se consiga mobilizar um conjunto de forças capaz de deslanchar um novo ciclo de crescimento sustentável. É nossa convicção que esse conjunto de forças pode resultar de uma articulação industrial com a China tendo em vista interesses recíprocos que devem ser contemplados a partir de iniciativas convergentes. Abaixo se expõem razões brasileiras que justificam iniciativa nesse sentido, o projeto Transul, e em seguida as razões chinesas para o mesmo projeto. Nas conclusões, volta-se ao exame das perspectivas econômicas brasileiras no sentido de esclarecer os estreitos graus de liberdade de nossa política macroeconômica atual se mantida no curso convencional, ortodoxo ou heterodoxo, e indica-se a contribuição que o projeto Transul poderá dar de forma a alargar esses graus de liberdade macroeconômica.

Projeto Transul: razões brasileiras
O Brasil passou por um longo ciclo de estagnação a partir dos anos 80 do século passado até o começo deste século, determinado em larga medida pela crise da dívida externa e a fragilidade do balanço de pagamentos. A partir de 2003–2004 entramos num ciclo favorável de preços e quantidades vendidas de commodities puxado sobretudo por compras da China, na época crescendo a taxas de cerca de 10% ao ano, o que nos possibilitou ampliar importações de bens de produção e de consumo e ao mesmo tempo acumular grandes reservas internacionais a partir de superávits comerciais. Após o início da crise internacional em 2008, a economia brasileira sofreu o impacto de queda em 2009 mas teve notável recuperação em 2010, neste caso por mérito de uma política macroeconômica de cunho essencialmente anticíclico. É esse ciclo de crescimento estimulado sobretudo pelo consumo, inclusive a crédito, que se esgotou.

A retomado do crescimento dependerá de um empuxe no investimento e no consumo que não está à vista. Não há perspectiva de investimento sem perspectiva de consumo. Temos alguns nichos de crescimento do consumo/investimento com grande ou significativo poder de arraste sobre o conjunto da economia, a exemplo da cadeia do petróleo, da indústria aeronáutica , da química e do agronegócio. Não são suficientes para puxar uma retomada do crescimento a partir de zero, onde nós estamos. A cadeia do petróleo, por razões notórias, deverá sofrer o impacto das ações judiciais contra ex-altos executivos da Petrobras. A cadeia aeronáutica se caracteriza grandemente pelo outsourcing, com efeito interno limitado. A química e o conjunto do agronegócio, embora importantes nos resultados da economia até aqui, não têm potencial para puxar o crescimento do conjunto dela nos anos vindouros.

Em termos econômicos convencionais, este seria o momento da acentuação das políticas anticíclicas de cunho keynesiano, nas quais o investimento público independe do consumo de mercado e o precede, puxando o investimento privado e finalmente sendo sancionado este último pelo consumo privado, através do efeito multiplicador. Entretanto, mediante uma política fiscal flexível que liberasse o investimento público em infra-estrutura, essa alternativa também parece esgotada, especialmente dentro da estrutura de relações internacionais brasileiras hoje prevalecentes (ver abaixo). Como consequência, temos que buscar uma alternativa de investimento em larga escala, capaz de puxar o ciclo econômico, independentemente das restrições macroeconômicas de curto prazo. Este é o Projeto Transul.

Projeto Transul: razões da China
Em sua essência, o Projeto Transul consiste na proposta de um grade acordo entre Brasil e China, a ser posteriormente estendido aos demais países Brics e da Unasul, pelo qual a China faria o outsourcing da produção metálica e da indústria alimentícia de seu interesse estratégico em território inicialmente brasileiro, e posteriormente sul-americano e de outros países Brics. As vantagens para o Brasil seriam óbvias: deixaríamos de ser meros exportadores de commodities agrícolas e minerais, sujeitos aos humores imprevisíveis do mercado, como agora, e agregaríamos a primeira escala de valor aos produtos primários que normalmente exportamos in natura. Para a China, haveria vantagens significativas no campo da economia no consumo de energia, no consumo de água e, sobretudo, de controle e até reversão da poluição, com garantia de fornecimento de insumos metálicos e de alimentos processados mediante contratos de longo prazo, estabilizadores das economias envolvidas.

A China está fazendo um esforço gigantesco no combate à poluição implicando investimentos da ordem de US$ 620 bilhões em cinco anos. Num acordo com os Estados Unidos e na recente reunião mundial sobre clima em Lima, no Peru, a China se comprometeu a estabilizar os níveis de poluição até 2030. Para uma economia com energia à base sobretudo de carvão, é um compromisso significativo, que atende não apenas aos interesses mundiais como aos da própria China, tendo em vista os devastadores efeitos ambientais sobre a água e a atmosfera que a população chinesa vem sofrendo, com reflexos devastadores para a saúde pública. Entretanto, com uma população de 1,3 bilhão de habitantes, a China não aceitará sacrificar seus projetos de desenvolvimento e de urbanização acelerada; é justamente nesse campo que o Projeto Transul pode representar para ela uma alternativa essencial de acesso a insumos essenciais para o crescimento e a segurança alimentar.

O modelo empresarial para o Projeto Transul implica: organização de empresas binacionais China–Brasil, na forma de empresa de propósito específico, com participação de setores privado e público dos dois países, para a industrialização no Brasil de recursos naturais definidos pela demanda chinesa destinados à exportação principalmente para a China; financiamento do investimento pela China mediante garantia de contratos de fornecimento dos respectivos produtos industrializados por prazos longos, de 25 anos, no formato de project finance; capital e governança devem ser partilhados, com 51% do capital ordinário e maioria da governança retida pela parte brasileira; reserva de fornecimento de no mínimo 50% das máquinas e equipamentos na fase de construção das empresas para indústria de bens de capital brasileira; admissão de um número máximo de trabalhadores chineses como imigrantes temporários ou definitivos na fase de construção e de operação de cada empresa.

A organização no Brasil de cada empresa industrial ou de mineração considerará, desde a origem, a participação ativa de empresários, de instituições de defesa ambiental e de promoção social, escolhidas dentre as com maior representatividade e credibilidade no setor. Será estabelecido modelo de intervenção dessas instituições para definição organizacional de cada empresa possibilitando canais decisórios transparentes envolvendo as partes direta e indiretamente interessadas. Mediante acordo especial Brasil–China a ser embutido no acordo global do Projeto, serão estabelecidos, no caso específico de poluição, modelos realísticos para o balanço energético global de cada empresa a ser criada no Brasil de forma a relacionar a poluição mínima gerada aqui, a partir de tecnologias atuais de maior eficiência energética e de uso de água, à economia máxima em água, em energia e em geração de poluição na China.

A China poderá optar entre duas alternativas, considerando os objetivos globais que tem em seu programa ambiental, para operacionalização do Projeto Transul: uma, mais direta, que implique a retirada de quantidades específicas de produção de metal no país através de métodos tradicionais ineficientes, relacionada objetivamente com quantidade equivalente a ser produzida no Brasil e exportada para ela; outra, indireta, que associe suas necessidades crescentes de metais para sustentar seu desenvolvimento a altas taxas a capacidade produtiva nova criada no Brasil (outsourcing) e não na China. Naturalmente, pode-se optar por uma combinação dessas duas alternativas, sempre, porém, a partir de decisão eminentemente chinesa como referência para a tomada de decisão brasileira. Deve-se considerar também um período de adaptação considerando-se as capacidades produtivas existentes lá e cá.

O Projeto Transul é saída quase única para a situação de estagnação da economia brasileira. Como já observado acima, são muito estreitos os graus de liberdade macroeconômica do país para um programa desenvolvimentista. Com mais de US$ 83 bilhões de déficit em conta corrente, neste ano, temos pouquíssimo espaço para a redução da taxa básica de juros e para a eliminação do superávit primário. Ambas, junto com alguma desvalorização cambial, seriam necessárias para a implementação de um programa anticíclico tipicamente keynesiano para a retomada do ciclo de desenvolvimento. Entretanto, se isso for tentado de forma decisiva, ficará virtualmente impossível financiar o déficit em conta corrente e corremos o risco de uma crise cambial como já aconteceu recorrentemente no passado.

O professor Mário Henrique Simonsen costumava afirmar que inflação fere, mas balança de pagamentos mata. Nossas reservas de US$ 380 bilhões podem ser um importantíssimo instrumento intermediário para acomodar a situação externa conjuntural deficitária enquanto se tomam medidas estruturais para o reequilíbrio externo, notadamente por um vigoroso aumento das exportações, mas não para pagar cumulativamente o déficit em conta corrente na ausência de entrada de novos recursos externos. Nesse caso, a moratória a curto prazo e a volta ao caixa socialmente adverso do FMI. E isso não é uma condição específica de país em desenvolvimento: a França de Miterrand, no início dos anos 80 do século passado, e a Inglaterra, mais recentemente, experimentaram o drama de uma crise cambial que lhes tolheu completamente margens de manobra interna para políticas econômicas de valor social.

De fato, estamos num círculo vicioso: se reduzirmos muito a taxa básica de juros, os capitais especulativos que entram com a função quase exclusiva de financiar a curtíssimo prazo o balanço de pagamentos vão evaporar. Por outro lado, uma política fiscal expansiva implicaria redução até zero do superávit primário ou, mais coerentemente enquanto a recessão persistir, um déficit primário e um déficit nominal muito maior que o atual. Isso implicaria certamente uma desclassificação do Brasil pelas agências de risco, o que levaria os capitais especulativos a exigir taxas de juros ainda mais elevadas para fechar o balanço de pagamentos. No intervalo disso, temos uma taxa cambial que deveria ser desvalorizada para estimular a exportação de manufaturados, especialmente numa conjuntura de preços e quantidades de commodities declinantes. Contudo, as consequências inflacionárias seriam extremamente negativas.

É importante assinalar que o ajuste ortodoxo proposto por uma corrente de economistas como saída para a crise de crescimento brasileira chega a ser ingênuo. A partir dele, dizem, seria restaurada a confiança do empresariado no governo e fluiriam investimentos. Isso é falacioso. Não há investimento sem prévia avaliação do potencial de demanda, exceto quando se trata de investimento público em bens públicos. Como essa segunda possibilidade está vedada pelo próprio ajuste ortodoxo, e pelas razões macroeconômicas já assinaladas, não há como o investimento público autônomo estimular a demanda e o investimento privado. O máximo que os empresários continuarão fazendo é operarem com a moeda financeira no limite dos investimentos em manutenção de capacidade. Como, aliás, acontece na Europa.

É diante desse quadro que o Projeto Transul se torna uma saída para a reversão do ciclo de baixa da economia brasileira. Teríamos investimentos produtivos diretos, de forma imediata, criando capacidade produtiva exportadora e, conjunturalmente, ajudando a reforçar o balanço de pagamentos e as reservas. A demanda derivada do processo de construções animaria imediatamente a indústria de bens de capital e a indústria de bens de consumo, iniciando um ciclo de investimentos que teria repercussão no emprego e na renda, cumulativamente. Na fase operacional dos projetos, o aumento cumulativo das exportações possibilitaria crescente redução do déficit em conta corrente e, finalmente, liberaria as travas da macroeconomia para iniciativas autônomas tanto no campo econômico quanto social.

Em uma palavra, o Projeto Transul seria estruturante de uma nova economia brasileira a partir da revolução minero-metais. Note-se que essa articulação industrial profunda com a Ásia, muito mais significativa e menos superficial que a simples articulação comercial – que na verdade não nos interessa – não representa prejuízo para terceiros. É um jogo de soma positiva. Os países industrializados avançados, como EUA e Europa Ocidental, continuariam sendo nossos parceiros, como têm sido tradicionalmente. Apenas nos situaríamos um eixo triangular mais confortável pelo qual poderíamos fazer excedentes comerciais manufaturados, e não simplesmente importa-los e nos expor a déficits comerciais crescentes, como é o caso atualmente, exceto em primários. Ou seja, nossos excedentes com a China reforçariam nossa capacidade de comerciar com os EUA e com a Europa Ocidental, para benefícios recíprocos.

Finalmente, convém observar que não há objetivamente possibilidade de fazer esse Projeto a não ser com a China. É ela que enfrenta problemas agudos de poluição, o que torna o outsourcing de metais vantajoso para ela. Por outro lado, não existe nenhuma outra região do mundo, fora a Ásia, que represente uma capacidade efetiva de demanda de metais capaz de justificar um rosário de projetos produtores no Brasil e, posteriormente, na América do Sul. Por outro lado, a Índia tem potencial e condições semelhantes aos da China, e poderia entrar no Projeto pelo lado da demanda de metais. A Rússia poderia entrar pelo lado da oferta, mas não tem muita energia limpa; a Austrália também, mas com deficiência em água; e a África do Sul, com problemas de mão-de-obra. Assim, as possibilidades são principalmente nossas. Para aproveitá-las, devemos continuar a avançar nossas conversas com a China.

*J. Carlos de Assis é economista, doutor pela Coppe/UFRJ, professor de Economia Internacional da UEPB.

Fonte: Monitor Mercantil

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