Pronunciamento da comunidade Kaingang Kandóia/Votouro, RS

Pronunciamento da comunidade Kaingang Kandóia/Votouro

Protesto Kaingang no RS. Foto: internet

Protesto Kaingang no RS. Foto: internet

Nós, da comunidade kaingang de Kandóia-Votouro, queremos esclarecer o que vem ocorrendo na nossa região e que os meios de comunicação de maneira distorcida. Na nossa comunidade moram 70 famílias (ao redor de 220 pessoas) e vivemos há 13 anos nesse acampamento, no território onde moraram nossos antepassados, há mais de 500 anos. Estamos a espera da demarcação de apenas uma pequena parte desse extenso território.

Neste momento, estamos aguardando a assinatura do Ministro José Eduardo Cardozo para dar continuidade ao processo de levantamento fundiário para indenização dos agricultores situados nessa zona. Em uma reunião em Brasília no dia 18 de março de 2014, o Ministro se comprometeu em vir ao estado do Rio Grande do Sul para realizar uma audiência pública com indígenas e agricultores no dia 05 de abril (em anexo). No entanto, ele transferiu essa audiência para o dia 12 de abril e, em seguida, para o dia 25 de Abril, que também foi cancelada. Frente a esse desrespeito, nos mobilizamos para fechar a estrada e exigir nossos direitos.

No dia 09 de maio deste mesmo ano, foi convocada uma reunião de conciliação no Centro Cultural de Faxinalzinho, com o Prefeito do Município, o Secretário de Desenvolvimento Rural do RS, representante da Fundação Nacional do Índio (FUNAI), entre outros. Pensamos que era uma reunião para solucionar o conflito, mas levamos uma facada pelas costas. A Polícia Federal chegou já no início da reunião e prendeu 7 lideranças kaingang que estavam presentes, sem qualquer mandato, ordem judicial ou intimação.

As crianças ficaram muito nervosas e começaram a chorar, o que foi imediatamente reprimido pelos policiais, inclusive com o apontamento de uma arma na direção de uma criança de dois anos, mandando-a se calar. No momento da prisão, começamos a falar na nossa língua e os policiais disseram que não poderíamos fazer isso: “parem de falar guarani”, disseram. Nem sabiam que língua estávamos falando. Eles deveriam estudar a nossa língua, já que nós estudamos a sua.

Os policiais riram da nossa cara e disseram que era nosso presente do dia das mães. Sentimos que eles estavam para tudo naquele dia, tinham aquela sede… Se os índios fizessem alguma coisa, a polícia mataria todos nós e faria uma festa.

Quando as lideranças foram presas, ficaram algemadas por três horas, de pé, sem água, nem banheiro ou comida. Não permitiram que se comunicassem com ninguém. Até agora, só sabemos sobre eles através do advogado, o que nos preocupa muito.

Depois das prisões, passamos a ficar totalmente isolados e perseguidos pela Polícia Federal. Os homens não podem sair da aldeia – nem para trabalhar e nem mesmo para ir ao mercado – porque a polícia está parando e entrando nos ônibus e intimando as pessoas, criando medo.

Esse abuso de autoridade por parte da polícia se repercutiu inclusive nas escolas. Na escolada Terra Indígena de Votouro/Benjamin Constant, os policiais entraram na sala de aula e bateram em um professor indígena na frente das crianças, para tirar informações sobre o ocorrido. Quando os indígenas pediram o mandato para fazer isso, os policiais disseram que não precisava de nada. Em outra escola, em Faxinalzinho, uma pessoa ofereceu 500 reais para que uma menina de treze anos desse informações.

A Polícia Federal também passou a fazer rondas em volta do nosso acampamento, e mesmo dentro dele, para intimidar-nos. Tivemos, assim, que cercar a aldeia e conversar com as crianças porque elas ficaram com muito medo: cada vez que veem uma pessoa branca, saem correndo.

Paralelamente à atuação da polícia, a mídia também passou a divulgar mentiras. Não invadimos a Prefeitura de Faxinalzinho, como foi noticiado. E também não estávamos impedindo o prefeito de sair de sua casa. Eles dizem que estão isolados, mas tem trânsito livre. Isolados estamos nós aqui dentro. Essas distorções tem acirrado a tensão nas relações com os vizinhos. Antes coletávamos madeira para lenha e artesanato nas terras ocupadas pelos colonos, e não tinha problema. Agora, eles já não nos deixam mais. Eles expulsaram as crianças que foram buscar lenha.

Estão nos discriminando até publicamente, falando que somos vagabundos, selvagens e “que índio não presta”. Assim, não estamos conseguindo nem produzir e nem vender o nosso artesanato na região.

Com esse clima de medo, até os agentes de saúde não estão querendo vir a aldeia. A enfermeira liga para a Secretaria, e eles não vem. E como o nosso motorista está preso, ela mesma está tendo que levar os pacientes graves, deixando a aldeia sem enfermeira. Um de nós necessitava uma consulta médica e o motorista da Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI) mandou ele esperar no meio do mato, escondido, a 5km da aldeia. Considerando o risco de realizar esse trajeto, ele não foi. Se queremos ser atendidos, temos que caminhar mais de 7km.

Frente a tudo isso, decidimos que não iremos à reunião do dia 22 de maio em Brasília devido ao fato de que, por um lado, pode ser mais uma reunião traiçoeira como a de Faxinalzinho e, por outro lado, o poder público não precisa que nós estejamos em Brasília para assinar um papel.

Aproveitamos para reiterar nossas reivindicações: a demarcação imediata das terras indígenas de Kandóia/Votouro, Passo Grande da Forquilha, Rio dos Índios, e Irapuá.

Comunidade Kandóia/Votouro
20 de maio de 2014

Enviada para Combate Racismo Ambiental por Klem Ypunto.

Leia aqui o artigo A criminalização explícita das lideranças Kaingang no RS, de Roberto Antonio Liebgott.

Fonte: Combate Racismo Ambiental

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