Pressões econômicas e de sobrevivência contribuem para o apagamento das línguas indígenas
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Na visão de Luciana Storto, a força do capitalismo é maior do que as iniciativas pelo fortalecimento das línguas e culturas indígenas
12/11/2024 – por Lucas Torres Dias*
Nos dados mais recentes do IBGE sobre a situação das línguas indígenas (2012), 293 mil povos originários afirmaram falar a língua nativa em ambiente domiciliar – desses, 137 mil afirmaram inclusive não falar português. Esses números fazem parte dos quase 800 mil autodeclarados indígenas no Brasil, que vivem o conflito entre querer preservar sua cultura e as demandas da sociedade capitalista.
Luciana Storto, professora da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, diz que existem projetos de revitalização em andamento, “mas é fato que as línguas indígenas permanecem ameaçadas”. Há várias iniciativas dos próprios povos, financiadas por fontes governamentais e ONGs, além de projetos como o Programa de Documentação de Línguas Indígenas e o PL n° 3690 (Senador Jorge Kajuru PSB/GO). No entanto, os desafios ainda são grandes.
O grande obstáculo
Segundo a professora, há uma histórica e crescente dificuldade em manter as línguas vivas e pulsantes, principalmente com o movimento dos indígenas em direção aos centros urbanos. Ela afirma que “a força do capitalismo é maior do que as iniciativas pelo fortalecimento das línguas e culturas indígenas”, no sentido de que as dificuldades de se sustentar muitas vezes obrigam os indígenas a abandonarem suas aldeias.
De acordo com o Inventário Nacional da Diversidade Linguística (INDL), há exemplos de crianças indígenas que não falam mais a língua tradicional ao nascerem e viverem nas cidades. É o caso dos karitianas, povo de Rondônia, em que mais da metade deixou de falar. Com isso, a cultura vai sendo apagada conforme as influências urbanas e da globalização atuam com mais força.
Essa realidade se traduz também em dados: de acordo com o IBGE, 85% dos falantes de línguas nativas são residentes de terras indígenas. Por outro lado, a população que vive nessas terras gira em torno de apenas metade, sendo que a tendência é diminuir com o fluxo em direção às cidades. Uma vez lá, fica mais difícil manter as relações com as raízes, tradições e ancestralidades.
Capitalismo, neoliberalismo e globalização
Esse problema, antes de tudo, é financeiro. Com o mote neoliberal de que “produzo, logo vivo”, esse êxodo se dá frequentemente por uma questão de necessidade básica. Os indígenas se veem muitas vezes forçados a abandonar suas terras em busca de emprego. Segundo dados do Banco Mundial, os povos indígenas representam hoje cerca de 14% dos pobres e 17% dos extremamente pobres na América Latina, apesar de somarem menos de 8% da população da região.
“Eu não acredito que as pressões contra as línguas e as culturas indígenas sejam apenas fruto de preconceito, mas sim das pressões econômicas e de sobrevivência. Se houver incentivo econômico para a manutenção das línguas, elas têm chance de sobreviver, senão, as pessoas vão em busca de trabalho nas cidades e acabam por se distanciar das comunidades de fala”, resume Luciana.
Como lidar com isso?
A especialista acredita que, a partir de políticas públicas e um interesse efetivo em fazer acontecer, é possível criar maneiras de manter as línguas vivas. Ela dá um direcionamento: “Como as tecnologias e mídias sociais tornam a comunicação a distância cada vez mais acessível, se houver projetos que incentivem os indígenas nas cidades a continuar em contato permanente com seus parentes nas aldeias, as chances das línguas se manterem são maiores”.
Como o principal problema é financeiro, as ações também devem ser pautadas em dar sustentação de renda para essa população. “O Estado e a sociedade civil devem criar projetos em que as pessoas que falam uma língua indígena possam trabalhar na documentação e manutenção das línguas e culturas, seja das cidades ou das aldeias. Assim, há alguma chance de documentação e manutenção para as comunidades e que as línguas não desapareçam com o tempo.”
De acordo com ela, “a escrita das línguas ajuda na sua manutenção, porque permite uma outra fonte de fortalecimento para as línguas através dos livros, das legendas, das gramáticas, dicionários e outros materiais escritos”. E esses projetos, claro, devem incluir bolsas e salários para os falantes e sabedores. Fortalecer a cultura parte também por garantir a sobrevivência econômica de seus participantes.
*Sob supervisão de Paulo Capuzzo e Cinderela Caldeira
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