Na floresta, no campo, na cidade: hora de retratar a população indígena
“Eu acredito que o IBGE vem para mostrar nossa realidade, a expansão de nossa comunidade e o futuro que queremos para ela”. Foi com essa expectativa que o cacique Jasiel Gabriel Marcelino recepcionou a equipe do IBGE na manhã de 10 de agosto de 2022 na Aldeia Lagoinha, a 100 km de Campo Grande, em Mato Grosso do Sul. A data marcou nacionalmente o Dia de Mobilização do Censo Indígena.
O jovem líder da etnia Terena, de 36 anos, já havia sido contactado no dia anterior por funcionários do IBGE, na reunião de abordagem, quando respondeu a um questionário específico sobre as condições de infraestrutura da aldeia. Trata-se de um protocolo repetido em todo o país, no qual a operação censitária e sua metodologia são previamente apresentadas às lideranças indígenas, a fim de que elas mobilizem suas comunidades e facilitem o trabalho dos recenseadores, que farão a coleta de informações em questionários domiciliares, de casa em casa, nos dias seguintes.
“Eles são muito receptivos”, atesta Miriam Miki, recenseadora responsável por aquele setor. Tendo trabalhado em perímetro urbano no Censo 2010 e em área rural no Censo Agropecuário 2017, ela só estranhou uma peculiaridade ao estrear no agrupamento indígena, espalhado por 150 km². “Aqui não tem ruas. Farei a coleta por núcleos familiares, para não me perder”, revela.
Acessível apenas por estrada de terra a partir do município de Sidrolândia, a comunidade abriga 108 famílias, ou aproximadamente 300 pessoas, segundo cálculos do professor Elias Franco, nascido e criado na aldeia, e que atualmente exerce a função de coordenador pedagógico na escola indígena local. O colégio, aliás, é o único lugar em Lagoinha com sinal de internet. Nas quatro salas estudam 159 alunos de 4 a 16 anos. “Nenhuma criança fica sem escola”, garante Elias, que também leciona sua língua materna, o Terena.
As quase 100 casas de alvenaria ali erguidas pelos próprios residentes têm água encanada e energia elétrica. Mas as estatísticas oficiais da Aldeia Lagoinha, bem como as das 632 terras indígenas, dos 5.494 agrupamentos indígenas e das 977 outras localidades indígenas espalhadas pelo Brasil só serão conhecidas ao fim do Censo 2022.
Para registrar essa realidade, os questionários domiciliares contêm perguntas sobre etnia, línguas faladas, questões de registro civil, arranjo familiar, religiosidade, deficiência, educação, trabalho, situação do domicílio e dos cômodos – assim como de água, saneamento, destino do lixo e acesso à internet, entre outros. O Censo em territórios indígenas dura o mesmo tempo que a operação censitária nas demais áreas, cerca de três meses.
Novidades e adaptações no recenseamento de povos tradicionais
Além da reunião de abordagem e do questionário específico para lideranças indígenas, o IBGE traz outras novidades no recenseamento desse grupo populacional. “A própria cartografia das áreas indígenas contou pela primeira vez com a colaboração da população dessas localidades”, destaca Marta Antunes, coordenadora do Censo em Povos e Comunidades Tradicionais e que também esteve presente à Aldeia Lagoinha.
A antropóloga esclarece que o questionário aplicado Brasil afora sofreu adaptações em território indígena. “Como alguns grupos étnicos habitam malocas ou casas sem paredes, nós aceitamos que o ‘domicílio’ não tenha paredes”. Outra adaptação é a pergunta sobre religião ou culto, presente no questionário da população em geral. Em território indígena, a pergunta é “Qual sua crença, ritual indígena ou religião?”. Com isso, explica Marta, o IBGE busca trazer uma caracterização mais ampla da religiosidade indígena.
Se uma pessoa residir em território indígena e declarar que sua cor ou raça é branca, preta, amarela ou parda, automaticamente uma nova pergunta se abre no Dispositivo Móvel de Coleta (DMC) do recenseador: “Você se considera indígena?”. Segundo Marta, a pergunta de cor ou raça muitas vezes é associada com o fenótipo ou com a documentação registrada em cartório. “Esse quesito de abertura restrita traz uma pergunta mais clara, mais direta. Nosso objetivo é contar toda a população indígena residente no Brasil”, reforça.
Para o mapeamento dessas áreas, o IBGE utilizou registros administrativos provenientes de outras instituições e imagens recentes de satélites de altíssima resolução. “Os territórios foram detalhados de forma muito mais precisa que em 2010”, explica Miriam Barbuda, diretora adjunta de Geociências, ressaltando o zelo no planejamento da operação de 2022. Ela destaca ainda a importância dos acordos de cooperação com instituições governamentais parceiras como a Fundação Nacional do Índio (Funai) e a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai).
Povo Xokó, de Sergipe, também foi visitado pelo IBGE
Ainda no marco do Dia de Mobilização do Censo Indígena, o IBGE visitou o território indígena Xokó, com apoio da Unidade Estadual em Sergipe. O povo Xokó vive nas aldeias Ilha de São Pedro, situadas no município sergipano de Porto da Folha. Durante a visita, ocorreu a reunião de abordagem com as lideranças. A aplicação do questionário domiciliar começaria no dia seguinte, conforme o planejamento local.
“Esse é um trabalho muito importante, porque saberemos sobre nossas condições, e isso vai atualizar sobre a vida de cada povo”, exprimiu o cacique Bá, líder político na região. Da mesma forma, a liderança religiosa Jair dos Santos, pajé na comunidade, explicou que “para que os governos possam desenvolver um trabalho nesse país, é essencial ter esses dados. Por isso, o Censo é muito importante para nós, da aldeia Xokó”.
Os recenseadores e toda a equipe do IBGE que atua em territórios indígenas – incluindo os que visitaram a Aldeia Lagoinha e as aldeias do povo Xokó – obedecem a protocolos de saúde que exigem vacinação contra Covid-19, gripe e febre amarela; apresentação de teste negativo para a Covid-19, declaração de que não teve contato com nenhuma pessoa com sintomas gripais 10 dias antes da entrada em área e utilização de máscara facial.
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