Defensor dos indígenas isolados, Rieli Franciscato morre com uma flecha no coração, em Rondônia
Da equipe de reportagem da Amazônia Real
Manaus (AM) – Um dos maiores sertanistas atuando com grupos de indígenas isolados na Amazônia, Rieli Franciscato, de 56 anos, foi atingido por uma flecha no coração ao se aproximar de povos sem contato por volta das 17h (horário de Brasília) desta quarta-feira (9) na região da linha 6 em Seringueiras, na divisa da Terra Indígena Uru-Eu-Wau-Wau, em Rondônia. O sertanista, que estava acompanhado de um indígena e policiais militares, foi levado para um hospital, mas já chegou sem vida.
Coordenador da Frente de Proteção Etnoambiental Uru-Eu-Wau-Wau da Fundação Nacional do Índio, Rieli foi um dos fundadores nos anos 1980 da organização Etnoambiental Kanindé com a amiga e ambientalista Ivaneide Cardozo. Ele também trabalhou nas frentes de monitoramento na Terra Indígena Vale do Javari, no Amazonas, junto com o sertanista Sydney Possuelo.
À agência Amazônia Real, Ivaneide contou que, na manhã de quarta-feira (9), conversou ao telefone com Rieli Franciscato. Ele estava monitorando de longe o grupo de indígenas conhecido como “Isolados do Cautário”, em referência ao rio do mesmo nome. Desde junho, esse povo vinha aparecendo na zona rural de Seringueiras. O sertanista, que defende o não contato com os isolados, atuava para evitar um conflito entre o grupo e a população da localidade, mas o trabalho era precário e sem estrutura.
“O Rieli estava ali para proteger aqueles indígenas, mas os isolados não sabem quem são amigos ou inimigos. A região dos isolados está queimando. A gente vem tendo preocupação há dias com isso. A gente tinha informação de invasões naquela região. O Rieli estava super preocupado. Se os isolados estão saindo e atacando, é porque alguém está atacando os isolados”, afirma Ivaneide.
Em áudio que a Amazônia Real teve acesso, Rieli comentava com a amiga Ivaneide uma de suas últimas preocupações, pouco antes de se dirigir até o grupo de isolados, nesta quarta-feira. “Ô Neidinha [apelido de Ivaneide], pra mim, naquela viagem amanhã [10], não tem como. Acabei de receber informação que os índios apareceram na [linha] 6 e vou ver essa situação. Não vou ter nem gente para colocar lá. O Clayton [servidor da Funai] está acamado. Possivelmente esteja com covid”, disse Rieli.
Descaso do governo
“A culpa da sua morte é o descaso e a incompetência da Funai e dos que hoje orbitam em volta desse presidente da Funai e do Coordenador de Índios Isolados”, criticou o sertanista Sydney Possuelo, ex-presidente do órgão. Para ele, a circunstância da morte de Rieli demonstra o descaso e a irresponsabilidade do governo de Jair Bolsonaro (sem partido) com relação às questões que envolvem os indígenas e os funcionários das Frentes de Proteção Etnoambiental, “que são a vanguarda dos trabalhos na selva”.
“O governo consegue destruir a Funai como instituição, desamparando os funcionários que estão na missão mais difícil e perigosa e, acelerando o processo de destruição dos povos indígenas isolados ou não”, afirmou Possuelo.
Procurada pela Amazônia Real, a Fundação Nacional do Índio (Funai) não respondeu às perguntas da reportagem. Até o momento, o presidente da Funai, delegado da Polícia Federal Marcelo Augusto Xavier da Silva, não se manifestou oficialmente sobre o caso.