Antropologia

Davi Kopenawa é eleito membro colaborador da ABC – Academia Brasileira e Ciências

Na tarde do dia 6 de outubro, antes da Sessão Solene de apresentação dos novos membros eleitos para a Academia Brasileira de Ciências, foi promovida pela ABC uma sessão exclusiva para 300 pessoas, entre Acadêmicos e público inscrito, do filme A Última Floresta.

Ganhador de prêmios internacionais em festivais ao longo do ano, o filme foi dirigido e roteirizado por Luiz Bolognesi e co roteirizado pelo novo membro colaborador da ABC, o líder Yanomami Davi Kopenawa.

Antes da exibição do filme, o presidente da ABC, Luiz Davidovich, destacou a forte ligação entre a “nossa’ ciência e a ciência dos povos originais. “O que nós falamos muito hoje, da saúde única ou one health [conceito de que a chave para a saúde humana está no equilíbrio dos ecossistemas e na conservação da biodiversidade, tendo em vista o bem-estar humano, animal e do planeta], eles já sabem há muito mais tempo que nós.”

Davidovich apontou que a intenção da Academia ao iniciar sua Reunião Magna 2021 com a exibição do filme é dar visibilidade a uma questão fundamental para o Brasil e a humanidade: o desmatamento, a floresta amazônica e o conhecimento dos povos originários. “Essa é a nossa maior riqueza.”

Antes do filme, Davi Kopenawa comentou, em vídeo, a eleição para membro colaborador da ABC:

Foi iniciada então a exibição do filme, que retrata a rara história de resistência cultural dos Yanomami. “Enquanto outros povos são arrastados para a identidade do homem branco, seja pela invasão das igrejas evangélicas, seja pela penetração autorizada ou não de madeireiros, garimpeiros e engenheiros abrindo estradas ou construindo hidrelétricas, os yanomami, liderados pelo grande líder e xamã Davi Kopenawa Yanomami, lutam para se isolar e manter a cultura espiritual e cotidiana viva. Travam uma verdadeira guerra para preservar suas identidades, com inúmeros conflitos internos, como o desejo dos jovens de terem celulares ou deixarem a vida na floresta pela vida nas cidades”, diz o site do filme.

Já em cartaz em diversos cinemas pelo país afora, “o filme ‘A Última Floresta’ é um documentário de longa-metragem que pretende apresentar esses personagens e esse conflito através da observação de situações cotidianas dos yanomami. Do convívio com eles, do desejo de escutá-los e entendê-los a partir da lógica deles próprios, nasceu o filme”, diz ainda o site.

Após a exibição, outro vídeo de Davi Kopenawa exclusivo para a ABC apresenta seus comentários sobre o processo de realização do filme:

Um dos coordenadores da Reunião Magna da ABC 2021, o antropólogo Ruben Oliven (UFRGS) abriu a sessão para comentários de Acadêmicos, dizendo que a reunião deste ano é muito especial, porque marca a ideia de que a ciência pode e deve estar estreitamente ligada com a sociedade. “A ABC, através da eleição de Davi Kopenawa, reconhece os saberes indígenas e sua importância. É uma forma de trabalhar diferente da ciência tradicional, mas igualmente importante. Essa perspectiva marca uma inflexão da academia, mostrando que a ciência precisa ser posta no colo da sociedade.”

Ele afirmou ainda que a questão indígena não é apenas uma questão de terras, mas uma questão moral. “Eu acredito que uma forma de avaliar uma sociedade é observando como tratam seus povos originários O Brasil tem uma dívida moral com os povos indígenas e eles não estão sozinhos na sua luta contra o governo de extrema direita, que tem levado à destruição dos direitos constitucionais estabelecidos em 1988.”

A vice-presidente da ABC, Helena Nader, declarou que aquela data era um marco divisório para a ABC, considerando o período em que o Brasil está. “Reconhecemos a importância dos saberes tradicionais para a sociedade global, em especial a sociedade brasileira. A tortura a gente já tem, mas levar a esperança, como esse filme mostra, é muito relevante.”

O antropólogo e Acadêmico Eduardo Viveiros de Castro escreveu o prefácio do livro A Queda do Céu, de Kopenawa e Bruce Albert. No evento, ele declarou que graças a sabedoria de Kopenawa, “não poderemos mais dizer que não sabíamos como agir. Ele tem desempenhado um papel de alta relevância e incansável na conjuntura internacional.”

Ele descreve Kopenawa em várias dimensões: como profeta, anunciador do que acontecerá com o mundo de acordo com nossas ações; como diplomata, por promover o diálogo internacional sobre as terras indígenas; como líder político, pela organização da resistência de seu povo; e como antropólogo, titular pleno da condição de cientista social.

Viveiros de Castro afirmou que “temos a obrigação de levar a sério aquilo que é dito pelos povos indígenas, pela voz de Davi Kopenawa e pelos outros povos tradicionais – isto é, aqueles que ainda resistem ao liquidificador ecocida e etnocida do processo civilizador hegemônico.”

Luiz Bolognesi, diretor e co-roteirista do filme, destacou sua percepção sobre o impacto que as ameaças à democracia e os ataques que o governo tem feito à ciência e ao pensamento produzem. “Estamos vendo a crise hidrelétrica, além de tantas outras crises, os ataques aos princípios básicos de democracia… Isto tudo tem que nos levar a refletir e agir com um pouco de lucidez”, afirmou.

Ele contou como o filme começou a ser construído. Relatou a posição de Kopenawa, logo no início do processo, dizendo: “Nós temos doenças, temos malária, temos COVID, mas o filme não pode ser sobre isso. Nós vamos falar da nossa força, da nossa beleza, do potencial dos xamãs Yanomami e, dentro disso, explorar esses outros assuntos. Eu não quero um filme de vítimas, porque não somos vítimas.’”

Bolognesi apontou que precisávamos ter universidades indígenas, “não para eles virem para cá estudar medicina, sociologia, antropologia, mas sim para nós, brancos, estudarmos e entendermos a ciência desses povos originários, que é muito viva e tem sua própria capacidade.  É hora de aprendermos com eles”, finalizou.

Assista aqui o debate na íntegra. 


Reunião Magna da ABC 2021 foi realizada ainda nos dias 8, 13 e 15 de outubro.

Revista Brasileira de Linguística Antropológica – RBLA – V. 11, N. 1 (2019) –

A equipe editorial da Revista Brasileira de Linguística AntropológicaRBLA tem o prazer de divulgar, ao lado da sua indicação para classificação A1, no Qualis Capes, o seu mais recente um volume: v. 11, n. 1 (2019) (DOI: https://doi.org/10.26512/rbla.v11i1). Nessa edição, ratificando o seu compromisso com a interdisciplinaridade, a RBLA apresenta sete artigos que integrando conhecimentos linguísticos, antropológicos e arqueológicos,  tratam de aspectos das línguas e das culturas dos povos nativos do continente sul-americano. Continue lendo

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