O homem que descobriu 780 línguas na Índia
Quando Ganesh Devy, um ex-professor de inglês, se aventurou a buscar as línguas existentes na Índia, esperava encontrar algo parecido com um cemitério de idiomas, repleto de línguas nativas mortas ou em vias de extinção.
Ele se deparou, no entanto, com uma “floresta densa de vozes”, como ele mesmo descreve, uma estrondosa Torre de Babel, em um dos países mais populosos do mundo.
Descobriu, por exemplo, que há pelo menos 16 línguas faladas no estado de Himachal Pradesh, na região do Himalaia. Só para a palavra “neve” há 200 formas diferentes – algumas bem descritivas, como “flocos que caem na água” ou “flocos que caem quando a lua está lá em cima”.
Ele também encontrou comunidades nômades no deserto de Rajasthan, no oeste do país, que usavam uma grande quantidade de palavras para se referir à paisagem árida, chegando a descrever como os homens e animais a vivenciavam.
Outra descoberta foi que os nômades falam uma língua “secreta” devido ao estigma que carregam. Eles já foram considerados “tribos criminosas” pelos ingleses e agora sobrevivem vendendo mapas nos sinais de trânsito da capital Nova Deli.
Em dezenas de aldeias de Maharashtra, não muito longe de Mumbai, na costa oeste do país, Devy se deparou, inclusive, com pessoas falando um português antigo.
Em sua jornada, Devy identificou ainda um grupo de pessoas, no arquipélago de Andamão e Nicobar, que fala karen, uma língua étnica de Mianmar, além de índios do estado de Gujarat que falam japonês.
Segundo ele, os indianos usam cerca de 125 idiomas estrangeiros como se fosse sua língua materna.
Devy é um linguista autodidata que ensinou inglês em uma universidade de Gujarat por 16 anos. Em seguida, foi viver em uma aldeia remota, onde trabalhou com as tribos. Ajudou os nativos a terem acesso a crédito, a administrar bancos de sementes e projetos de saúde. Além disso, publicou uma revista em 11 línguas tribais.
Epifania
Foi por volta dessa época que começou a epifania de Devy em relação ao poder da linguagem.
Em 1998, ele levou a uma aldeia tribal 700 cópias de sua revista, escrita na língua local. Deixou os exemplares em uma cesta para quem quisesse ou tivesse como pagar 10 rupias (US$ 0,15) por uma cópia. No fim do dia, todas as revistas tinham desaparecido.
Quando voltou, Devy encontrou várias notas de dinheiro “sujas, amassadas, encharcadas” na cesta, deixadas pelos moradores da aldeia.
“Era provavelmente o primeiro material impresso na língua deles que tinham visto na vida. Eram trabalhadores que pagaram por algo que sequer conseguiriam ler. Me dei conta do poder e orgulho primordial da língua”, conta.
Há sete anos, Devy lançou seu ambicioso projeto Pesquisa Linguística do Povo da Índia (PLSI, na sigla em inglês), um levantamento nacional das línguas indianas e de como as pessoas as percebem.
O “caçador de línguas” realizou 300 viagens em 18 meses para todos os cantos da Índia. E financiou a jornada com o dinheiro que ganhou dando aulas. Ele viajou dia e noite, revisitando alguns estados até 10 vezes e manteve religiosamente um diário.
Também criou uma rede de voluntários que contava com cerca de 3,5 mil estudiosos, professores, ativistas, motoristas de ônibus e nômades que viajavam às partes mais remotas do país.
Entre eles, estava o motorista de um burocrata do estado de Orissa, no leste do país, que anotava em um diário as palavras novas que ouvia durante a jornada.
Os voluntários entrevistavam as pessoas e registravam a história e a geografia de suas línguas. Além disso, pediam aos locais para “desenhar seus próprios mapas” do alcance de suas línguas.
“As pessoas desenharam mapas em forma de flores, triângulos ou círculos. Os mapas são uma representação do alcance imaginário de suas línguas”, afirma.
Até 2011, o levantamento de Devy havia contabilizado 780 línguas, quase metade das 1.652 registradas pelo censo do governo em 1961. Já foram publicados 39 livros dos 100 planejados sobre os resultados da pesquisa.
Línguas ‘mortas’
A Índia acabou perdendo centenas de línguas por falta de apoio do governo, pela redução do número de pessoas que falam os idiomas, pela educação primária fraca em línguas locais e devido à emigração de tribos de suas aldeias nativas.
A morte de uma língua é sempre uma tragédia cultural e marca o desaparecimento de todo o conjunto de conhecimentos, fábulas, histórias, jogos e músicas de um povo.
Mas Devy alerta que as preocupações vão além. O partido do governo, o nacionalista BJP, se esforça para impor o hindu em todo território indiano, o que ele classifica como um “ataque direto à nossa pluralidade linguística”.
Ele se pergunta como as megacidades conseguirão lidar com a diversidade linguística diante dessas políticas chauvinistas.
“Me sinto mal cada vez que uma língua morre. Mas sofremos perdas piores de diversidade, como as variedades de peixes ou de arroz”, afirma.
“Nossas línguas sobreviveram por serem teimosas. Somos uma democracia linguística. Para manter nossa democracia viva, temos que manter nossas línguas vivas”, acrescenta.
Fonte: G1
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