No sul do Pacífico, única língua crioula com base no alemão pode desaparecer

Em 1900, alunos de uma missão em Papua-Nova Guiné criaram dialeto que mistura alemão e idioma local. Hoje, os poucos falantes do chamado Nosso Alemão são prova viva de um capítulo pouco conhecido da história colonial.

Era o ano de 1900 na colônia de Nova Guiné Alemã, no Pacífico Sul. Em uma aula de alemão, freiras missionárias mal podiam acreditar no que ouviam. De repente, seus alunos começaram a balbuciar algumas palavras e frases truncadas. As irmãs tentaram corrigi-los, mas as crianças insistiam em falar sua própria versão do idioma – o dialeto que logo passou a ser chamado de Nosso Alemão.

No final do século 19, o império alemão exigia com veemência o seu “lugar ao sol”, nas palavras do então ministro do Exterior, Bernhard von Bülow. Em um discurso em 1897, o político afirmava, assim, a pretensão alemã de adquirir colônias.

Entretanto, grande parte do globo já havia sido distribuída a outras potências coloniais, como Inglaterra e França. Os alemães tiveram, então, que se contentar com o que havia sobrado, e acabaram tomando posse de algumas das regiões então consideradas as menos atraentes no mundo. Entre elas estava o território administrado pela Companhia Alemã de Comércio de Nova Guiné, hoje Papua-Nova Guiné, que se tornou colônia do império germânico em 1899.

Sob o sol tropical, a paisagem local recebeu nomes como Novo Mecklemburgo, Nova Hanover ou Nova Pomerânia. A montanha mais alta da ilha foi batizada de Monte Wilhelm, em alusão ao então imperador alemão, Wilhelm (Guilherme) 2º. A residência do governador ficava no assentamento de Monte Herbert, em Nova Pomerânia. Nos arredores da comunidade, estava a missão do Sagrado Coração, chamada de Vunapope, onde em 1900 crianças inventaram o Nosso Alemão.

Novo dialeto

As crianças que começaram a falar o Nosso Alemão não tinham vida fácil na missão. Seus familiares pertenciam a povos e culturas diferentes. Seus pais eram geralmente marinheiros ou oficiais alemães, enquanto as mães eram oriundas das tribos nativas. Os filhos desses relacionamentos quase sempre passageiros eram tidos como párias na sociedade local. Ainda assim, encontravam refúgio na missão Vunapope, onde deveriam ser criados como “bons cristãos” alemães.

As crianças rapidamente misturaram as palavras novas que aprendiam com o idioma local, o Tok Pisin, por sua vez uma combinação de línguas nativas com o inglês. O pronome pessoal “eu”, que em alemão é “Ich“, foi substituído pelo equivalente em inglês, “I“, mas pronunciado com sotaque alemão (“i” em vez de “ai”). Os artigos der (masculino), die (feminino) e das (neutro) do idioma alemão foram adaptados pelas crianças, se tornando apenas der e de.

O Nosso Alemão continuou a ser a língua comum entre aqueles que haviam sido educados na missão. Já em idade adulta e casados entre si, eles repassavam o novo idioma a seus filhos.

Tal fenômeno não é algo isolado. Os linguistas chamam a forma de comunicação híbrida que surge com base no idioma dos colonizadores de línguas crioulas. As línguas crioulas formaram-se sobretudo na América do Sul, com adaptações locais dos idiomas espanhol, inglês e francês. O Nosso Alemão, no entanto, é a única língua crioula baseada no alemão, que serviu de língua materna para cerca de 2 mil pessoas.

Idioma em extinção

Após o início da Primeira Guerra Mundial (1914-1918), a Nova Guiné Alemã foi ocupada pelos australianos. O Nosso Alemão continuou a ser falado, apesar dos livros de alemão terem sido substituídos pelos de inglês. O início do fim do idioma alemão dos mares do sul se deu nos anos 1970, quando muitos de seus falantes deixaram a ilha em busca de trabalho.

Hoje em dia, poucos dominam o idioma. O mais jovem dos nativos que fala a língua tem quase 70 anos de idade. O áudio gravado por pesquisadores com as vozes de falantes do Nosso Alemão como língua materna poderá, em breve, ser a última prova da invenção das crianças da missão alemã em Papua-Nova Guiné.

Fonte: DW.de

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