Frestas questiona negação da presença indígena na história
A omissão da presença indígena na construção de Sorocaba deu origem à obra Um vazio pleno, criada pela artista visual Maria Thereza Alves especialmente para a 2ª Frestas — Trienal de Artes, aberta ao público no sábado (12/08/2017). Mais que obra, Um vazio pleno pode ser classificada como resultado de uma série de ações colaborativas articuladas pela artista desde sua primeira visita de pesquisa na cidade, em março deste ano.
Para Frestas, a renomada artista brasileira radicada em Berlim convidou o ceramista guarani Maximino Rodrigues — professor e líder da comunidade Jaguapirú, em Dourados (MS) — para reproduzir urnas funerárias e moringas indígenas do acervo do Museu Histórico Sorocabano. Os fragmentos dessas réplicas, vestígios da presença indígena, serão semi-enterrados em diversos espaços públicos da cidade, como a Praça Coronel Fernando Prestes, Jardim Maylasky e o campus Sorocaba da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar).
“Começamos a trabalhar no domingo de manhã e hoje [ontem] terminaremos de instalar as últimas peças. Os mapas com locais são disponibilizados, mas o trabalho também deverá ser encontrado pelos pedestres enquanto atravessam a cidade”, detalha a artista.
Já no espaço expositivo da Trienal, na unidade do Sesc Sorocaba (rua Barão de Piratininga, 555), Maria Thereza exibirá um conjunto de vídeos gravados por estudantes indígenas no campus de Sorocaba da UFSCar.
Feitos com câmera de celular, no contexto de um workshop de arte contemporânea indígena ministrado pela artista, os vídeos trazem entrevistas com respostas de estudantes não indígenas a perguntas dos realizadores, estudantes indígenas.
Maria Thereza detalha que a oficina de três dias oferecida aos estudantes analisou obras de artistas indígenas contemporâneos reconhecidos internacionalmente como Minerva Cuevas, Rebecca Belmore, Abraham Cruzvillegas, Cisco Jimenez e Skawennati.
“Não é estranho que em um país com mais de 300 línguas indígenas devemos realizar essa entrevista em línguas europeias?”, questiona a artista, em inglês, em entrevista concedida por e-mail ao Mais Cruzeiro. Ela detalha que desde a primeira vez que esteve em Sorocaba conheceu locais históricos que contribuíram para a identidade cultural da cidade, como o Mosteiro de São Bento, a Capela de João de Camargo, o Museu da Estrada de Ferro Sorocabana (MEFS) e o Museu Histórico Sorocabano, onde documentou o material de cerâmica indígena reproduzido por Rodrigues. “Ele fez 15 grandes peças grandes e muitas outras menores.”
Segundo Maria Thereza, sua participação na Trienal será uma tentativa de questionar a negação da presença indígena na história de construção da cidade, cuja narrativa oficial atribui a fundação ao bandeirante Baltasar Fernandes. “As pessoas que construíram Sorocaba, que forneceram o trabalho para a “fundação” da cidade, foram quatrocentos povos indígenas transformados em escravos. No entanto, eles não são reconhecidos e nenhum monumento foi feito”, comenta.
Coincidentemente, o trabalho feito por Maria Thereza na cidade dialoga com a obra Fundadores, do renomado grafiteiro Nunca, ao trazer à tona a constatação do apagamento da memória ancestral da cidade. O painel de Nunca, com 38 metros de altura, na lateral de um prédio na praça Coronel Fernando Prestes, no Centro, retrata indígenas, a fim de homenagear os “fundadores” da cidade jamais mencionados em estátuas.
“Fui inicialmente apresentado ao trabalho de Nunca na segunda-feira, quando cheguei na Praça Coronel Fernando Prestes para instalar objetos cerâmicos. Foi uma coincidência, mas, ao mesmo tempo, a visão curatorial de Daniela Labra, que facilitou obras que dizem respeito ao que vejo como vazio pleno na história”, diz.
Fonte: Jornal Cruzeiro
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