Carta do II Fórum Nacional de Culturas Indígenas
O II Fórum Nacional das Culturas Indígenas, juntamente com reuniões do Colegiado Setorial das Culturas Indígenas e o Encontro das Culturas Indígenas, constituíram as três ações do Encontro Brasil Indígena: história, saberes e ações, realizado entre os dias 09 e 16 de agosto, no Sesc Belenzinho, em São Paulo (SP), e promovido pelo Ministério da Cultura (Minc), pelo Serviço Social do Comércio de São Paulo (Sesc), com participação do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Um dos pontos de destaque da Carta produzida no II Fórum é o item que apresenta a demanda “reconhecer as línguas dos povos indígenas como línguas oficiais” (1B – Mapeamento, Registro e Difusão das Culturas Indígenas), além de ter sido feita “em nome dos nossos 305 povos indígenas originários, falantes de 274 línguas indígenas, muitas em risco de extinção”. Segue abaixo o texto da Carta:
Carta do II Fórum Nacional de Culturas Indígenas
“A verdadeira liderança está na responsabilidade e compromisso com seu povo, sem desejar poder, dinheiro ou glória. Os povos indígenas têm a consciência de conversar com o grande espírito e respeitar o equilíbrio da vida; Há 515 anos nossa terra foi invadida e começou nosso genocídio, em 1980 lutamos para que o Brasil conquistasse a democracia e hoje exigimos que nosso direito à terra, à vida e à cultura seja respeitado.”
Celestino Xukuru Cariri – Ancião Indígena do Brasil
Nós, Povos Indígenas do Brasil, reunidos em São Paulo, por ocasião do II Fórum Nacional de Culturas Indígenas, no exercício dos princípios do nosso protagonismo, livre determinação e autonomia sobre a nossa diversidade cultural reconhecidos no Plano Setorial para as Culturas Indígenas e no contexto de ataques sistemáticos aos direitos indígenas, principalmente territoriais, provenientes de poderes do Estado e de interesses privados da sociedade brasileira, em nome dos nossos 305 povos indígenas originários, falantes de 274 línguas, muitas em risco de extinção, apresentamos ao Governo, por meio do Ministério da Cultura, as nossas demandas prioritárias.
1 A – Manutenção e Transmissão de Saberes e Práticas
Garantir o apoio à demarcação, proteção e sustentabilidade das terras e territórios indígenas, como condição para assegurar a sobrevivência física e manutenção das identidades e da diversidade cultural dos Povos indígenas do Brasil;
Propor a discussão e elaboração de uma resolução definindo o conceito de consulta e a metodologia para a sua realização com a participação plena e efetiva dos povos indígenas, nos termos da Convenção 169 daOIT;
Propor Consulta Pública para a criação de um marco legal específico de promoção e proteção integral dos conhecimentos tradicionais, recursos genéticos e expressões culturais tradicionais dos povos indígenas com a realização de oficinas preparatórias locais e regionais que assegurem participação plena e efetiva da diversidade cultural dos povos indígenas, com equilíbrio de gênero;
Propor, em caráter de urgência, uma política de reconhecimento, proteção, fortalecimento, revitalização, afirmação, incentivo e promoção da identidade, línguas, conhecimentos, saberes, expressões culturais e práticas tradicionais dos Povos Indígenas, com prioridade para os Povos em situação de risco de perde-las. Essa política deverá reunir recursos orçamentários, prêmios e incentivos fiscais e de pesquisa e publicação para facilitar o mapeamento das ações;
Reconhecer, valorizar, fortalecer e revitalizar as práticas de medicina tradicional dos povos indígenas, proprietários, guardiões e detentores dos saberes tradicionais, a exemplo das parteiras, benzedeiras, pegadores de ossos, rituais, as farmácias vivas, ervas medicinais, pajés, rezadores, curandeiros entre outros;
Elaboração e aprovação de um programa permanente, com dotação orçamentária para a realização de rituais, cerimônias, festivais de culturas indígenas, locais, regionais e nacionais, com a criação de um Portal das Culturas Indígenas no site do MinC com o calendário das ações culturais e educativas para mapeamento, divulgação e troca de experiências.
Articular, com a participação plena e efetiva das organizações indígenas, a criação de órgãos municipais, estaduais e federais voltados para a promoção, reconhecimento e proteção das culturas dos povos indígenas, respeitadas as especificidades regionais e a diversidade cultural de cada povo;
Fortalecer a transmissão de saberes e identidades, por meio da utilização da produção de mídias nas diversas linguagens qualificando e empoderando os jovens indígenas para o uso culturalmente apropriado destes instrumentos;
1B – Mapeamento, Registro e Difusão das Culturas Indígenas
Reconhecer as línguas dos povos indígenas como línguas oficiais;
Implementar Casas de Cultura Indígena atendendo a criação de acervos comunitários, farmácias vivas, comercialização de artesanato, espaços de memória viva, banco de dados, plataforma digital, museus, bibliotecas e outros espaços, geridos pelos povos indígenas para o armazenamento de produtos e resultados das informações obtidos a partir das pesquisas e mapeamentos culturais realizados para difusão, em âmbito nacional e estadual, respeitando a diversidade cultural e as especificidades de cada região;
Garantir o acesso e o controle pelos Povos Indígenas da veiculação da informação fora das terras indígenas, como forma de proteção dos seus conhecimentos, expressões culturais tradicionais e recursos genéticos;
Discutir e propor um programa de qualificação de multiplicadores indígenas sobre os mecanismos de proteção do patrimônio material e imaterial dos povos indígenas existentes no IPHAN e no Instituto Nacional de Propriedade Intelectual (INPI);
Discutir e propor um programa de qualificação de multiplicadores indígenas sobre o mapeamento, monitoramento, registro e difusão das culturas indígenas, inclusive para a prevenção do uso indevido do patrimônio material e imaterial dos povos indígenas;
Fortalecer, dar continuidade e condições de manutenção e funcionamento aos Pontos de Cultura Indígenas já existentes, priorizando o protagonismo indígena em todas as etapas, infra-estrutura, equipamentos e manutenção e implantar Pontos de Cultura Indígenas nas comunidades interessadas, com a criação de redes para promover intercâmbios de saberes entre Povos Indígenas;
Criar comissão técnica de professores indígenas no âmbito do MEC para elaboração de material didático e paradidático, impressos e digitais (sites, apps, etc), visando ampliar a difusão e valorização das culturas dos Povos Indígenas para o público indígena e não indígenas;
Fomentar e garantir recursos orçamentários para pesquisas e registro das culturas dos Povos Indígenas, através da formação de membros das comunidades e organizações indígenas para realização de pesquisas-ação sobre suas próprias culturas.
Macroprograma 2 – Cultura, Sustentabilidade e Economia Criativa
Que o MinC se articule com estados e municípios para garantir divulgação, comercialização e valorização dos artesanatos dos povos indígenas e espaços apropriados para venda de produtos indígenas em todas as feiras e pontos turísticos entre outros;
Criação de um marco legal interinstitucional de reconhecimento e regulamentação pelo Ministério da Cultura, em colaboração com IPHAN, FUNAI, IBAMA, MMA, MDA, MDS, MJ, organizações indígenas e órgãos estaduais, da confecção mediante, manejo sustentável, uso, porte, transporte comercialização de artefatos indígena confeccionados com partes de animais silvestres ( penas, ossos, escamas, pele etc.). O novo marco legal deve reconhecer a importância da arte indígena como parte integrante e exclusiva da cultura e economia criativa dos Povos Indígenas, garantida na Constituição Federal e nos tratados internacionais de direitos humanos dos povos indígenas;
Criar programas que incluam a formação de produtores culturais indígenas para diversas linguagens e oficinas de qualificação na gestão de projetos;
Criar, de forma articulada ao Programa de Promoção ao Artesanato de Tradição Cultural (PROMOART), ações de incentivo, criação de “centros de produção” para qualificação e comercialização de artesanato indígena;
Fomentar a criação de novos territórios culturais para encontros de intercâmbio, trocas e expressões culturais indígenas multiétnicas.
Macroprograma 3 – Gestão e Participação Social
Promover a articulação entre Colegiado Setorial de Culturas indígenas com os demais colegiados setoriais do CNPC para a implementação do Plano Setorial de Culturas Indígenas;
Elaborar e publicar informativo digital e impresso sobre o Colegiado Setorial Indígena incluindo histórico, formação, funções, ações desenvolvidas e planejadas, etc.;
Instituir o Sistema Setorial das Culturas Indígenas que possibilite e viabilize a articulação e participação das organizações indígenas, indigenistas, instituições públicas, locais, regionais e nacionais, para garantir a execução, o acompanhamento a validação das ações e metas do plano setorial das culturas indígenas, garantindo uma estrutura descentralizada e participativa, como por exemplo, colegiados regionais, estaduais e municipais de culturas indígenas ;
Criar, no âmbito do MinC, a Secretaria de Cultura dos Povos Indígenas, integrada por um corpo técnico e coordenação indígena, como ferramenta essencial do protagonismo indígena no processo de implementação do plano setorial de culturas indígenas e do sistema setorial de culturas indígenas;
Instituir a Política Nacional de Culturas para os Povos Indígenas;
Incluir representantes dos Povos indígenas nos quadros do Ministério da Cultura para assegurar sua participação plena, efetiva e qualificada como forma de promover o protagonismo indígena e de fortalecer sua participação em todas as instâncias e nos processos de desenvolvimento das políticas públicas de cultura para os povos indígenas;
Garantir a realização periódica das Conferências, Fóruns Nacionais das Culturas Indígenas e suas etapas locais e regionais, com prioridade de realização diretamente nas terras indígenas;
Criar o fundo nacional de culturas indígenas com recursos orçamentários e incentivos fiscais (ex: ICMS Ecológico, Lei Rouanet, etc);
Formar indígenas na gestão de diversas áreas técnicas para o desenvolvimento e execução de políticas públicas junto aos povos indígenas e suas organizações com vista à sua atuação na elaboração, proposição, planejamento, execução e monitoramento dos projetos culturais em respeito a suas especificidades. Viabilizar a participação dos Povos indígenas no acompanhamento, avaliação e validação do Plano Setorial para as Culturas Indígenas.
Leia também: Saberes indígenas são pauta de políticas culturais
Fonte: MinC