Aldeia indígena recebe médico cubano do Programa Mais Médicos e pela primeira vez tem atendimento exclusivo e em tempo integral
Aldeia indígena recebe médico cubano do Programa Mais Médicos e pela primeira vez tem atendimento exclusivo e em tempo integral
A aldeia tupiniquim Irajá fica localizada a 12 km do centro do município de Aracruz, ao norte do Espírito Santo. Cortada pelo rio Piraquê-açu, que quer dizer “peixe grande” na língua tupi, a aldeia é formada por pouco mais de 560 pessoas que lutam pela sobrevivência do seu povo. Apesar da palavra ser comumente usada como sinônimo de “nacional”, com um apelo pejorativo (“cinema tupiniquim”, “política tupiniquim”), o verdadeiro povo tupiniquim é um dos mais desconhecidos do Brasil. Na aldeia Irajá, os indígenas vivem basicamente da pesca do caranguejo e de outros crustáceos, além da venda de artesanato e do trabalho no setor de serviços no centro de Aracruz.
Aos 52 anos, Edneia Joaquim está no segundo mandato como cacique da aldeia. Desconfiada com a presença de estranhos, não quis gravar entrevista, porque quando ela diz uma coisa, “o jornalista escreve outra”. Mas concordou em posar para fotos com a tia Francisca dos Anjos. Quem falou pela comunidade, com a anuência da cacique, foi o jovem Bruno Joaquim Siqueira, Presidente do Conselho de Saúde da aldeia. Bruno contou que é a primeira vez que Irajá conta com um médico fixo, atendendo de segunda a sexta, e exclusivo para comunidade. “É uma reivindicação antiga da gente, porque antes só tinha médico de vez em quando, às vezes era difícil conseguir ir até o polo ter atendimento ou esperar pela vinda do médico até aqui. Então isso para nós é uma vitória”.
No passado, os índios tupiniquins falavam a língua tupi litorânea, da família Tupi-Guarani, mas aos poucos deixaram de empregá-la porque eram ameaçados, e pararam de ensiná-la aos mais jovens. Hoje os tupiniquins na aldeia Irajá falam apenas português, e há uma professora na escola local, Janaina Yakuman, iniciando um trabalho de resgate do idioma ancestral.
A discrepância entre a realidade e o imaginário coletivo surpreendeu José Antônio Fuentes Cabrera, médico cubano do Programa Mais Médicos destacado para atender a Irajá. “Me chamaram para integrar o programa humanitário no Brasil e eu aceitei, inclusive para trabalhar com comunidades indígenas. Mas eu achava que ia para o Amazonas e imaginava pessoas com arco e flecha, achava que ia encontrar outra coisa”, conta ele.
Na aldeia Irajá, as vestimentas típicas e os cocares, colares, adereços e pinturas são guardados e utilizados apenas em ocasiões muito especiais. Mas as referências da cultura indígena estão por todos os lados – desde a grande cabana no centro da aldeia, onde acontecem todas as reuniões comunitárias e eventos importantes, passando pelas redes nas casas humildes e pelo artesanato com penas e cores vendido na beira da estrada.
Além do curso de adaptação e capacitação que todos os médicos do Programa Mais Médicos fazem ao chegar ao Brasil, José Antonio fez um curso especial sobre cultura e saúde indígena antes de ser direcionado à aldeia. “A comunidade queria um médico, independentemente de ser cubano, brasileiro, o que fosse. A integração não é fácil, porque tem a língua dele e os costumes da aldeia. Mas ele é muito atencioso, muito paciente e prestativo. Nós estamos nos adaptando, ele a nós e nós a ele. E temos certeza de que essa parceria vai dar certo”, diz Bruno.
Saúde Indígena deve levar em conta a tradição e a cultura de cada povo
Ana Cristina Gennari Bernardes é Referência Técnica da Saúde Indígena de Aracruz, e trabalha no Polo Base Caieiras Velha I, a Unidade de atenção à Saúde Indígena responsável por Irajá e por mais quatro aldeias na região. Ela conta que hoje há dois médicos do Programa Mais Médicos na área do Polo: além de José Antonio, outro médico cubano foi destacado para atender exclusivamente a aldeia vizinha de Comboios. “Eu acho que o mais importante é que eles são médicos de saúde da família. Eles envolvem a equipe, perguntam opiniões, tratam o paciente como um todo, desde a saúde física até a social e isso é muito importante ao atender comunidades indígenas. O médico precisa levar em conta a cultura do povo, se não as coisas não funcionam”, afirma.
Com o objetivo de atender as demandas de saúde das comunidades indígenas, os Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEIs) possuem Polos Base para o atendimento desta população. Os polos são a primeira referência para as Equipes Multidisciplinares de Saúde Indígena (EMSI) que atuam nas aldeias. Cada Polo Base cobre um conjunto de aldeias. No Brasil, os 34 DSEIs abrigam 351 Polos Base. Existem dois tipos, que são classificados de acordo com a complexidade de ações que executa.
O Polo Base Tipo I, que é o caso de Caieiras Velha, caracteriza-se por sua localização em terras indígenas. Esse tipo de estabelecimento realiza as seguintes atividades: armazenamento de medicamentos; armazenamento de material de deslocamento para outras áreas indígenas; comunicação via rádio; investigação epidemiológica; informações de doenças; elaboração de relatórios de campo e sistema de informação; coleta, análise e sistematização de dados; planejamento das ações das equipes multidisciplinares na área de abrangência; organização do processo de vacinação na área de abrangência; administração; capacitação, reciclagem e supervisão dos Agentes Indígenas de Saúde (AIS) e auxiliares de enfermagem; coleta de material para exame; esterilização; imunizações e atenção à saúde indígena em geral¹.
Segundo a OPAS/OMS, 294 médicos cubanos do Programa Mais Médicos atuam em comunidades indígenas. De acordo com o Ministério da Saúde, o programa levou médicos para todos os 34 distritos indígenas do país².
Série Mais Médicos – Vídeo
A OPAS/OMS no Brasil estruturou uma série de reportagens sobre o Programa de Cooperação Técnica Mais Médicos. A cada edição, será apresentado um vídeo mostrando a experiência do programa em algumas regiões do país.
O objetivo dos vídeos é refletir, em linhas gerais, o andamento da cooperação, desde a chegada dos médicos cubanos, o processo de formação, a integração com outros profissionais, a percepção da população, os resultados obtidos, os avanços, os processos de inovação e a troca de experiências.
Neste décimo quarto episódio, Aldeia Irajá – ES, o vídeo mostra o depoimento do presidente do conselho de saúde da aldeia, a avaliação do médico cubano em exercício e a análise da técnica de saúde indígena do município de Aracruz
Polo Base Caieiras Velha I
O Polo Base de Caieiras Velha I (CNES 2770180)³, atende às aldeias tupiniquins Irajá, Pau-Brasil, Comboios e Caieiras Velha e à aldeia guarani Boa Esperança, no município de Aracruz – ES.
Presta atendimento ambulatorial e demanda espontânea, além de realizar visitas domiciliares. Funciona de segunda a sexta. Com a chegada do Programa Mais Médicos, algumas comunidades, como é o caso da aldeia Irajá, contam com um médico exclusivo, que atende somente a população da aldeia determinada, sob a supervisão do Polo Base.
O Programa Mais Médicos
O Mais Médicos é um Programa de saúde lançado em 08 de julho de 2013 pelo Governo Federal, cujo objetivo é suprir a carência de médicos nos municípios do interior e nas periferias das grandes cidades do Brasil.
Médicos brasileiros tiveram prioridade em preencher as vagas do programa. As vagas remanescentes foram oferecidas primeiramente a brasileiros formados em universidades no exterior e em seguida a médicos estrangeiros, que trabalham sob uma autorização temporária para praticar Medicina, limitada à provisão de atenção básica de saúde e restrita às regiões onde serão direcionados pelo Programa.
A OPAS/OMS no Brasil e o Ministério de Saúde assinaram um Termo de Cooperação para colaborar na expansão do acesso da população brasileira à atenção básica de saúde. O termo inclui diversas linhas de ação, desde documentar, disseminar informação a prover aconselhamento técnico e apoio à capacitação e treinamento continuado aos médicos selecionados, seguindo as recomendações do Código Global de Práticas em Recrutamento Internacional de Pessoal de Saúde da OMS. A OPAS/OMS também assinou um Acordo de Cooperação de natureza similar com o Ministério de Saúde Pública de Cuba.
Os médicos cubanos vão trabalhar nos municípios que não foram selecionados por nenhum médico (brasileiros ou estrangeiros) nas primeiras rodadas de recrutamento. A maioria destes municípios tem 20% ou mais da população vivendo em extrema pobreza, a maioria está nas regiões Norte e Nordeste do país. Todos os médicos fazem um treinamento de 3 semanas de duração, uma semana de acolhimento nos estados aos quais serão destinados e um módulo de avaliação.
Referências
¹Ministério da Saúde. Portal da Saúde. Acessado em: 03/02/2015
²Ministério da Saúde. Blog da Saúde. Acessado em: 03/02/2015
³Ministério da Saúde. Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (Datasus), Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES). Acessado em: 03/02/2015