“A internacionalização de uma língua, se não transportar cultura, não tem o mesmo valor económico”
Isabel Pires de Lima encontra-se em Macau como oradora de um ciclo de conferências sobre tradução e formação de professores, que ontem terminou no Instituto Politécnico de Macau. Na sua comunicação, a antiga ministra da Cultura defendeu a importância da literatura no ensino de línguas estrangeiras e também da vertente cultural na exportação de uma língua.
“A atenção à internacionalização da língua portuguesa é a atenção a um bem patrimonial português que é um desiderato patriótico porque, na verdade, é alguma coisa que permite transportar a economia e a cultura portuguesa para espaços, distâncias e patamares muitíssimo importantes”. A ideia foi ontem deixada por Isabel Pires de Lima, antiga ministra da Cultura do Governo português, no Instituto Politécnico de Macau (IPM). À professora emérita da Universidade do Porto coube proferir a comunicação que encerrou o ciclo de conferências sobre tradução e formação de professores, durante a qual frisou a importância do papel que a literatura deveria ocupar no ensino das línguas, especialmente as estrangeiras.
“Quando exportamos uma língua estamos também a exportar cultura. Quando ‘exportamos economia’, nós fazemos hoje acompanhá-la de cultura. Há uma espécie de diplomacia económica que leva a cultura debaixo do braço”, disse Pires de Lima, em declarações aos jornalistas, após o final da conferência. Neste contexto, a especialista em Literatura Portuguesa Moderna e Contemporânea afirmou que “a internacionalização de uma língua, se não transportar cultura, não tem o mesmo valor económico”.
Mencionando Angola, Moçambique e Brasil, países que Pires de Lima diz serem “grandes esperanças nessa potenciação da língua portuguesa”, a também antiga deputada à Assembleia da República não duvida que “a língua portuguesa tem um potencial de futuro extremamente grande”. Para a académica, a expansão do papel do Português no mundo irá estar intimamente ligada ao desenvolvimento das economias destes países e da sua capacidade de, também eles, exportarem as suas culturas. Contudo, reitera que “uma língua só se pode tornar numa língua poderosa na medida em que transporta economia e cultura”.
Neste eixo, diz Isabel Pires de Lima que “Portugal ocupa um lugar muito particular”. Isto porque se, por um lado, “somos ínfimos em relação a estes países do ponto de vista demográfico”, por outro, somos um Estado-membro da União Europeia e o único país de língua portuguesa no continente europeu. “Isso dá-nos uma posição privilegiada ao nível das relações internacionais”, considerou.
“UMA TRADUÇÃO NÃO SE TRATA DE UMA PURA TRANSPOSIÇÃO”
Sobre o papel da literatura no ensino das línguas, principalmente as estrangeiras, Isabel Pires de Lima lamenta que esta tenha “perdido muito espaço”. Este desaparecimento no contexto do ensino de novos idiomas deve-se, em grande parte, ao avanço da linguística que “valorizou mais a formação de carácter mais funcionalista das línguas”. “Quando se evita o contacto do estudante com uma forma muito especial de manipular a língua, que é aquela usada pelo criador literário, evidentemente que estamos a privar o estudante de explorar capacidades que a língua oferece e que ele não encontra nas formulações correntes da utilização oral”, alerta a docente.
Para a antiga ministra da Cultura, quando em causa estão cursos de tradução e interpretação, o papel da literatura reveste-se de uma importância maior. “Esse contacto com o texto literário é também muito vantajoso no contacto com o universo cultural da outra língua. Isso permite-lhe ser muito mais capaz de traduzir porque, se conhecer culturalmente o espaço em que se desenvolve a outra língua, evidentemente que, depois, tem muito mais facilidade como tradutor”, afirmou. Isto porque, declarou a professora, “uma tradução não se trata de uma pura transposição”. “O tradutor tem que fazer escolhas e, para fazer escolhas, tem que perceber minimamente o contexto cultural em que aquela língua está inserida”.
Pires de Lima procura contrariar o argumento geralmente utilizado pelos professores de língua para escapar ao texto literário, afirmando que, por vezes, os professores tendem a “super-proteger os estudantes e a infantilizá-los”. “Tem que se evitar o argumento de que nós não damos textos literários aos estudantes porque eles não gostam e não são capazes de perceber. Provavelmente um estudante não vai perceber da mesma maneira que eu, que sou professora e tenho 50 anos de leituras atrás de mim, mas isso não tem importância nenhuma, não retira em nada ao interesse de uma leitura literária”.
Fonte: Ponto Final
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